terça-feira, 8 de março de 2016

APOSTILA DE LITERATURA - 2º ANO


APOSTILA DE LITERATURA - 2º ANO

ÍNDICE

1.   ROMANTISMO
2.   REALISMO / NATURALISMO
3.   PARNASIANISMO
4.   SIMBOLISMO
                      

            ROMANTISMO


O Romantismo surge, a partir da Segunda metade do século XVIII, na Inglaterra e na Alemanha, irradiando-se para a França e, dali, para o restante da Europa e para a América. Dá-se o nome de romantismo à tendência estética e filosófica que dominou todas as áreas de pensamento e criação artística de meados do século XVIII a meados do XIX. Como expressão do espírito de rebeldia, liberdade e independência, o romantismo propôs-se a descortinar o misterioso, o irracional e o imaginativo na vida humana, assim como explorar domínios desconhecidos para libertar a fantasia e a emoção, reencontrar a natureza e o passado.
A origem do Romantismo prende-se ao progresso econômico, político e social da burguesia. Após a Revolução Francesa (1789), com os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, o regime absolutista entra em crise, cedendo lugar ao liberalismo. Assim, a literatura romântica estabelece-se como instrumento burguês de uma visão de mundo que o transforma.
A característica que talvez seja a mais marcante de todo o período Romântico é o subjetivismo, ou seja, a supervalorização das emoções pessoais, uma espécie de busca do "eu" interior ou o verdadeiro "eu". À medida que essa busca se aprofunda, a concepção de beleza torna-se relativa e o poeta Romântico perde a consciência do coletivo, surgindo assim o egocentrismo (aquele que refere tudo ao próprio eu, tomado como centro de todo o interesse; personalista). Essa supervalorização do "eu" choca-se violentamente com o objetivismo do período Clássico, que era baseado na verossimilhança e na harmonia das formas. O Egocentrismo choca-se também com a realidade do mundo exterior. Mundo esse que os Românticos ajudaram a construir, mas que não se parece nem um pouco com aquele que eles idealizavam. A derrota do ego é inevitável. Surgem então a melancolia, a angústia, a busca da solidão, a frustração e o tédio, que são seguidos das evasões românticas, ou seja, as fugas da realidade: o álcool; o ópio; as saudades da infância; as idealizações do amor, da sociedade e da mulher. Todas essas evasões, nas quais a emoção sempre supera a razão, têm ida e volta, porém, essa inadaptação à vida leva o Romântico à maior de todas as evasões: a morte.
  1. Momento Histórico
    1. Portugal
    O Romantismo português tem início em 1825, com a publicação do poema Camões, de Almeida Garrett, e vai até 1865, quando se inicia o próximo movimento (Realismo).   Após a Revolução Francesa (1789) toda a Europa passa por um período de transformações. As monarquias absolutistas entram em crise, a burguesia se firma juntamente com o liberalismo sócio-político.    Em Portugal, a invasão napoleônica (1807) provoca a mudança de D. João VI para o Brasil, gerando movimentos de libertação e tentativa de restituição do equilíbrio à nação portuguesa. Em 1822, devido a uma revolução iniciado no Porto, os portugueses organizam uma Constituição liberal, que perderá efeito em 1834.     De qualquer forma, os ideais da Revolução Francesa fixam no homem o desejo de "liberdade, igualdade e fraternidade".    Com a ascensão da burguesia, há uma mudança na escala de valores da sociedade, passando a prevalecer a posse do dinheiro.    No âmbito cultural, o aperfeiçoamento e a expansão da imprensa favorecem a publicação de diversos gêneros, o que acarreta maior popularização da arte, sobretudo na Inglaterra, onde a Revolução Industrial tinha efeitos mais marcantes.
O período Romântico português é geralmente dividido em três fases ou melhor, três gerações distintas: A primeira geração (ou 1º Romantismo), fase que desenvolveu-se aproximadamente entre os anos de 1825 a 1840 e é caracterizada pela guerra civil, pelo liberalismo e ainda está presa a alguns valores neoclássicos. Os primeiros Românticos, Almeida Garret e Alexandre Herculano, por defenderem os ideais liberais, foram exilados, porém participaram ativamente da Revolução Liberal e, vitoriosos em 1834, retornaram ao país para implantar a Literatura Romântica. Nessa primeira fase ainda teve destaque o escritor Antônio Feliciano de Castilho. A segunda geração (ou 2º Romantismo) é a fase do Romantismo português que vai de, aproximadamente, 1840 a 1860 e é conhecida também como ultrarromântica por caracterizar-se, sobretudo, pelo sentimentalismo melodramático e um erotismo melancólico que chega ao desespero. Se na primeira fase do Romantismo ainda existiam alguns resíduos do Neoclassicismo, nessa segunda fase eles desaparecem por causa dos excessos cometidos por seus adeptos. Dentre eles destacam-se Camilo Castelo Branco, na prosa, e Soares Passos, na poesia. A terceira geração (ou 3º Romantismo) vai de 1860 a 1870 e é considerada um período de transição para o Realismo por ser uma fase mais equilibrada. Os principais autores dessa época foram: Júlio Diniz e João de Deus.

Brasil
    No Brasil, o movimento romântico começa com a publicação de Suspiros poéticos e saudades, de Gonçalves de Magalhães, em 1836, e vai até 1881, quando são publicados os romances O mulato, de Aluísio de Azevedo, e Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.
O romantismo brasileiro teve na literatura sua máxima expressão e assumiu um caráter de verdadeira revolução, acentuado pelas circunstâncias sociais e políticas peculiares às primeiras décadas do novo império. Integrou-se também ativamente à agitação ideológica que precedeu a abolição da escravatura e a proclamação da república. Apesar das fortes influências francesas, inglesas e alemãs, o romantismo literário assumiu no país características próprias: (1) adaptação dos modelos europeus ao ambiente nacional; (2) introdução de motivos e temas locais, sobretudo indígenas, para a literatura que devia expressar a nacionalidade; (3) reivindicação do direito a uma linguagem brasileira; (4) inclusão obrigatória da paisagem física e social do país, com o enquadramento do regionalismo na literatura; (5) ruptura com os gêneros neoclássicos e criação de uma literatura autônoma. 
   A vinda da corte real portuguesa em 1808 acarreta algum desenvolvimento ao Brasil, que culmina com a Proclamação da Independência em 1822, estabelecendo-se o regime monárquico.    Tornando-se uma nação independente, é natural que começasse a se desenvolver um espírito nacionalista, que se revelará nas obras de arte, voltadas sobretudo ao cenário brasileiro, tentando libertar-se das influências europeizantes.

A cultura e a sociedade
Em função da ânsia de ganhos que começa a prevalecer na mente das pessoas, para um certo segmento da sociedade surge o sentimento de frustração, de perda de valores, já que o homem começa a degradar-se para conseguir uma boa posição social. Daí o saudosismo que se pode detectar em muitas obras românticas e o culto a heróis medievais, pois o passado aparece como a real fonte de valores autênticos. Outros fogem para o sonho, em busca de um mundo ideal, como meio de esquecer essa realidade que choca, amedronta, corrompe.
No Brasil, especificamente, existe motivo para uma certa euforia, gerada pela Independência. Teremos artistas falando da paisagem brasileira, da história do índio, da sociedade, embora encontremos, também, em meio a isso, a degradação da classe dominante e dos que desejam ascender socialmente a qualquer preço. O índio, por sua vez, será eleito nosso "herói nacional", nossa origem, uma vez que, diferentemente dos europeus, não conhecemos nem tivemos a Idade Média.
A existência da escravidão negra tocará poetas como Castro Alves; a falta de essência no posicionamento de pessoas e a ausência de perspectivas de reversão dos valores levarão muitos a uma vida desregrada que atrai prematuramente a morte.
Contrariamente aos clássicos, os românticos pretendem o predomínio da emoção sobre a razão, a liberação dos sentimentos dos sentimentos, a liberdade de produção.

Principais características da produção artística:
Fora muitas as tendências da arte romântica, mas sobressaíram-se três delas, divididas no que chamamos de 3 gerações: a) nacionalista, b) ultrarromântica (ou do "mal do século" ou byroniana) e c) Condoreira (social).
Importante notar que nessa época é que surge o romance propriamente dito, inicialmente publicado em capítulos nos jornais (folhetins).
    As características que são apresentadas a seguir são bem gerais e servem apenas para se ter uma idéia do espírito da era romântica. Ao analisar alguns textos, você poderá ter oportunidade de conhecer maiores detalhes.
  • Liberdade de expressão.
  • Uso da imaginação.
  • Na Europa, reaparecem os motivos medievais, numa tentativa de resgatar o passado histórico e os heróis nacionais.
  • Volta ao passado individual, com valorização da infância.
  • Subjetivismo, valorização do "eu".
  • Pessimismo, com expressão de dores, sofrimentos.
  • Fuga da realidade, evasão, escapismo. Daí o romântico ser considerado um sonhador.
  • Busca de refúgio na natureza, que aparece como reflexo do estado de espírito do artista.
  • Aversão ao purismo e formalismo clássico e neoclássico. Consequentemente, o conteúdo passa a ter mais importância que a forma.
  • Visão da morte como solução para os problemas humanos.
  • Amores impossíveis, musas inatingíveis, sonhos irrealizáveis.
  • Valorização do índio, no Brasil, na primeira fase do Romantismo.
  • Valorização da pátria.
  • Revalorização do místico e do religioso, em alguns casos.
  • Na poesia social ou condoreira, referência à vida do escravo.
  • Espírito revolucionário, almejando reformas na estrutura da sociedade, embora essa atitude nada representasse de prático na solução de problemas, restringindo-se a meros lamentos (em alguns casos, denúncias) e busca de asilo no sonho.

Primeira geração: Nacionalista ou Indianista

Essa geração é marcada pelo nacionalismo, patriotismo e, sobretudo, pela exaltação da natureza brasileira que, devido a sua exuberância tropical e erotismo, se contrapõe às paisagens das terras europeias. A figura do índio, em substituição a dos cavaleiros medievais, passa a ser vista como um espécie de mito e lenda, porque representa a nossa volta a um passado genuinamente nacional. O índio, por ser considerado o legitimo formador da nação brasileira, passa a ser idealizado, ou seja, os primeiros Românticos o vêem sempre sob um ângulo positivo e lhe atribuem características de herói. Surgem assim o mito do bom selvagem e o termo indianismo, que marcou essa primeira geração de poetas românticos brasileiros, cujos principais representantes são: Gonçalves de Magalhães e Gonçalves Dias.

Gonçalves de Magalhães (1811 - 1882)
Considerado o homem que iniciou o Romantismo no Brasil, Domingos José Gonçalves de Magalhães nasceu em Niterói em 1811 e, após formar-se em medicina, viajou para a Europa, onde tomou contato com as ideias românticas. Em 1836, publicou o livro "Suspiros Poéticos e Saudade", considerado como o marco inicial do Romantismo brasileiro. Em 1837, Gonçalves de Magalhães retornou ao Brasil e em 1847 ingressou na carreira diplomática. Sua poesia cultivava os valores fundamentais do Romantismo na sua primeira fase, ou seja, a religião, o patriotismo, sentimentalismo amoroso. Além de "Suspiros Poéticos e Saudade", Gonçalves de Magalhães publicou o poema épico indianista "A confederação dos Tamoios".

Gonçalves Dias (1823 - 1864)
O poeta Antônio Gonçalves Dias, que se orgulhava de ter no sangue as três raças formadoras do povo brasileiro (branca, indígena e negra), nasceu no Maranhão em 10 de agosto de 1823. Em 1840 foi para Portugal cursar Direito na Faculdade de Coimbra. Ali, entrou em contato com os principais escritores da primeira fase do Romantismo português. Em 1843, inspirado na saudade da pátria, escreveu "Canção do Exílio". No ano seguinte graduou-se bacharel em Direito. De volta ao Brasil, iniciou uma fase de intensa produção literária. Em 1849, junto com Araújo Porto Alegre e Joaquim Manuel de Macedo, fundou a revista "Guanabara". Em 1862 retornou à Europa para cuidar da saúde. No ano seguinte, durante a viagem de volta ao Brasil, o navio Ville de Boulogne naufragou na costa brasileira. Salvaram-se todos, exceto o poeta que, por estar na cama em estado agonizante, foi esquecido em seu leito. Se por um lado deve-se a Gonçalves de Magalhães a introdução do Romantismo no Brasil, por outro, deve-se a Gonçalves Dias a sua consolidação. Isso porque o poeta trabalhou com maestria todas as características iniciais da primeira fase do Romantismo brasileiro. De sua obra, geralmente dividida em lírica, medieval e nacionalista, destacam-se "I-juca Pirama", "Os Tibiramas" e "Canção do Tamoio".
Canção do Exílio
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.   

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas tem mais flores,
Nossos bosques tem mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.


I JUCA PIRAMA
I
No meio das tabas de amenos verdores,
Cercadas de troncos – cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d’altiva nação;
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
Temíveis na guerra, que em densas coortes
Assombram das matas a imensa extensão.
São rudos, severos, sedentos de glória,
Já prélios incitam, já cantam vitória,
Já meigos atendem à voz do cantor:
São todos Timbiras, guerreiros valentes!
Seu nome lá voa na boca das gentes,
Condão de prodígios, de glória e terror!
As tribos vizinhas, sem forças, sem brio,
As armas quebrando, lançando-as ao rio,
O incenso aspiraram dos seus maracás:
Medrosos das guerras que os fortes acendem,
Custosos tributos ignavos lá rendem,
Aos duros guerreiros sujeitos na paz.
No centro da taba se estende um terreiro,
Onde ora se aduna o concílio guerreiro
Da tribo senhora, das tribos servis:
Os velhos sentados praticam d’outrora,
E os moços inquietos, que a festa enamora,
Derramam-se em torno dum índio infeliz.
Quem é? – ninguém sabe: seu nome é ignoto,
Sua tribo não diz: – de um povo remoto
Descende por certo – dum povo gentil;
Assim lá na Grécia ao escravo insulano
Tornavam distinto do vil muçulmano
As linhas corretas do nobre perfil.
Por casos de guerra caiu prisioneiro
Nas mãos dos Timbiras: – no extenso terreiro
Assola-se o teto, que o teve em prisão;
Convidam-se as tribos dos seus arredores,
Cuidosos se incubem do vaso das cores,
Dos vários aprestos da honrosa função.
Acerva-se a lenha da vasta fogueira
Entesa-se a corda da embira ligeira,
Adorna-se a maça com penas gentis:
A custo, entre as vagas do povo da aldeia
Caminha o Timbira, que a turba rodeia,
Garboso nas plumas de vário matiz.
Em tanto as mulheres com leda trigança,
Afeitas ao rito da bárbara usança,
índio já querem cativo acabar:
A coma lhe cortam, os membros lhe tingem,
Brilhante enduape no corpo lhe cingem,
Sombreia-lhe a fronte gentil canitar,

II
Em fundos vasos d’alvacenta argila
Ferve o cauim;
Enchem-se as copas, o prazer começa,
Reina o festim.
O prisioneiro, cuja morte anseiam,
Sentado está,
O prisioneiro, que outro sol no ocaso
Jamais verá!
A dura corda, que lhe enlaça o colo,
Mostra-lhe o fim
Da vida escura, que será mais breve
Do que o festim!
Contudo os olhos d’ignóbil pranto
Secos estão;
Mudos os lábios não descerram queixas
Do coração.
Mas um martírio , que encobrir não pode,
Em rugas faz
A mentirosa placidez do rosto
Na fronte audaz!
Que tens, guerreiro? Que temor te assalta
No passo horrendo?
Honra das tabas que nascer te viram,
Folga morrendo.
Folga morrendo; porque além dos Andes
Revive o forte,
Que soube ufano contrastar os medos
Da fria morte.
Rasteira grama, exposta ao sol, à chuva,
Lá murcha e pende:
Somente ao tronco, que devassa os ares,
O raio ofende!
Que foi? Tupã mandou que ele caísse,
Como viveu;
E o caçador que o avistou prostrado
Esmoreceu!
Que temes, ó guerreiro? Além dos Andes
Revive o forte,
Que soube ufano contrastar os medos
Da fria morte.

III
Em larga roda de novéis guerreiros
Ledo caminha o festival Timbira,
A quem do sacrifício cabe as honras,
Na fronte o canitar sacode em ondas,
O enduape na cinta se embalança,
Na destra mão sopesa a iverapeme,
Orgulhoso e pujante. – Ao menor passo
Colar d’alvo marfim, insígnia d’honra,
Que lhe orna o colo e o peito, ruge e freme,
Como que por feitiço não sabido
Encantadas ali as almas grandes
Dos vencidos Tapuias, inda chorem
Serem glória e brasão d’imigos feros.
"Eis-me aqui", diz ao índio prisioneiro;
"Pois que fraco, e sem tribo, e sem família,
"As nossas matas devassaste ousado,
"Morrerás morte vil da mão de um forte."
Vem a terreiro o mísero contrário;
Do colo à cinta a muçurana desce:
"Dize-nos quem és, teus feitos canta,
"Ou se mais te apraz, defende-te." Começa
O índio, que ao redor derrama os olhos,
Com triste voz que os ânimos comove.

IV
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Já vi cruas brigas,
De tribos inimigas,
E as duras fadigas
Da guerra provei;
Nas ondas mendaces
Senti pelas faces
Os silvos fugaces
Dos ventos que amei.
Andei longes terras
Lidei cruas guerras,
Vaguei pelas serras
Dos vis Aimoréis;
Vi lutas de bravos,
Vi fortes – escravos!
De estranhos ignavos
Calcados aos pés.
E os campos talados,
E os arcos quebrados,
E os piagas coitados
Já sem maracás;
E os meigos cantores,
Servindo a senhores,
Que vinham traidores,
Com mostras de paz.
Aos golpes do inimigo,
Meu último amigo,
Sem lar, sem abrigo
Caiu junto a mi!
Com plácido rosto,
Sereno e composto,
O acerbo desgosto
Comigo sofri.
Meu pai a meu lado
Já cego e quebrado,
De penas ralado,
Firmava-se em mi:
Nós ambos, mesquinhos,
Por ínvios caminhos,
Cobertos d’espinhos
Chegamos aqui!
O velho no entanto
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto,
Só qu’ria morrer!
Não mais me contenho,
Nas matas me embrenho,
Das flechas que tenho
Me quero valer.
Então, forasteiro,
Caí prisioneiro
De um troço guerreiro
Com que me encontrei:
O cru dessossêgo
Do pai fraco e cego,
Enquanto não chego
Qual seja, – dizei!
Eu era o seu guia
Na noite sombria,
A só alegria
Que Deus lhe deixou:
Em mim se apoiava,
Em mim se firmava,
Em mim descansava,
Que filho lhe sou.
Ao velho coitado
De penas ralado,
Já cego e quebrado,
Que resta? – Morrer.
Enquanto descreve
O giro tão breve
Da vida que teve,
Deixai-me viver!
Não vil, não ignavo,
Mas forte, mas bravo,
Serei vosso escravo:
Aqui virei ter.
Guerreiros, não coro
Do pranto que choro:
Se a vida deploro,
Também sei morrer.

V
Soltai-o! – diz o chefe. Pasma a turba;
Os guerreiros murmuram: mal ouviram,
Nem pode nunca um chefe dar tal ordem!
Brada segunda vez com voz mais alta,
Afrouxam-se as prisões, a embira cede,
A custo, sim; mas cede: o estranho é salvo.
Timbira, diz o índio enternecido,
Solto apenas dos nós que o seguravam:
És um guerreiro ilustre, um grande chefe,
Tu que assim do meu mal te comoveste,
Nem sofres que, transposta a natureza,
Com olhos onde a luz já não cintila,
Chore a morte do filho o pai cansado,
Que somente por seu na voz conhece.
– És livre; parte.
– E voltarei.
– Debalde.
– Sim, voltarei, morto meu pai.
– Não voltes!
É bem feliz, se existe, em que não veja,
Que filho tem, qual chora: és livre; parte!
– Acaso tu supões que me acobardo,
Que receio morrer!
– És livre; parte!
– Ora não partirei; quero provar-te
Que um filho dos Tupis vive com honra,
E com honra maior, se acaso o vencem,
Da morte o passo glorioso afronta.
– Mentiste, que um Tupi não chora nunca,
E tu choraste!... parte; não queremos
Com carne vil enfraquecer os fortes.
Sobresteve o Tupi: – arfando em ondas
O rebater do coração se ouvia
Precípite. – Do rosto afogueado
Gélidas bagas de suor corriam:
Talvez que o assaltava um pensamento...
Já não... que na enlutada fantasia,
Um pesar, um martírio ao mesmo tempo,
Do velho pai a moribunda imagem
Quase bradar-lhe ouvia: – Ingrato! Ingrato!
Curvado o colo, taciturno e frio.
Espectro d’homem, penetrou no bosque!

VI
– Filho meu, onde estás?
– Ao vosso lado;
Aqui vos trago provisões; tomai-as,
As vossas forças restaurai perdidas,
E a caminho, e já!
– Tardaste muito!
Não era nado o sol, quando partiste,
E frouxo o seu calor já sinto agora!
– Sim demorei-me a divagar sem rumo,
Perdi-me nestas matas intrincadas,
Reaviei-me e tornei; mas urge o tempo;
Convém partir, e já!
– Que novos males
Nos resta de sofrer? – que novas dores,
Que outro fado pior Tupã nos guarda?
– As setas da aflição já se esgotaram,
Nem para novo golpe espaço intacto
Em nossos corpos resta.
– Mas tu tremes!
– Talvez do afã da caça....
– Oh filho caro!
Um quê misterioso aqui me fala,
Aqui no coração; piedosa fraude
Será por certo, que não mentes nunca!
Não conheces temor, e agora temes?
Vejo e sei: é Tupã que nos aflige,
E contra o seu querer não valem brios.
Partamos!... –
E com mão trêmula, incerta
Procura o filho, tacteando as trevas
Da sua noite lúgubre e medonha.
Sentindo o acre odor das frescas tintas,
Uma ideia fatal ocorreu-lhe à mente...
Do filho os membros gélidos apalpa,
E a dolorosa maciez das plumas
Conhece estremecendo: – foge, volta,
Encontra sob as mãos o duro crânio,
Despido então do natural ornato!...
Recua aflito e pávido, cobrindo
Às mãos ambas os olhos fulminados,
Como que teme ainda o triste velho
De ver, não mais cruel, porém mais clara,
Daquele exício grande a imagem viva
Ante os olhos do corpo afigurada.
Não era que a verdade conhecesse
Inteira e tão cruel qual tinha sido;
Mas que funesto azar correra o filho,
Ele o via; ele o tinha ali presente;
E era de repetir-se a cada instante.
A dor passada, a previsão futura
E o presente tão negro, ali os tinha;
Ali no coração se concentrava,
Era num ponto só, mas era a morte!
– Tu prisioneiro, tu?
– Vós o dissestes.
– Dos índios?
– Sim.
– De que nação?
– Timbiras.
– E a muçurana funeral rompeste,
Dos falsos manitôs quebrastes maça...
– Nada fiz... aqui estou.
– Nada! –
Emudecem;
Curto instante depois prossegue o velho:
– Tu és valente, bem o sei; confessa,
Fizeste-o, certo, ou já não fôras vivo!
– Nada fiz; mas souberam da existência
De um pobre velho, que em mim só vivia....
– E depois?...
– Eis-me aqui.
– Fica essa taba?
– Na direção do sol, quando transmonta.
– Longe?
– Não muito.
– Tens razão: partamos.
– E quereis ir?...
– Na direção do acaso.

VII
"Por amor de um triste velho,
Que ao termo fatal já chega,
Vós, guerreiros, concedestes
A vida a um prisioneiro.
Ação tão nobre vos honra,
Nem tão alta cortesia
Vi eu jamais praticada
Entre os Tupis, – e mas foram
Senhores em gentileza.
"Eu porém nunca vencido,
Nem nos combates por armas,
Nem por nobreza nos atos;
Aqui venho, e o filho trago.
Vós o dizeis prisioneiro,
Seja assim como dizeis;
Mandai vir a lenha, o fogo,
A maça do sacrifício
E a muçurana ligeira:
Em tudo o rito se cumpra!
E quando eu for só na terra,
Certo acharei entre os vossos,
Que tão gentis se revelam,
Alguém que meus passos guie;
Alguém, que vendo o meu peito
Coberto de cicatrizes,
Tomando a vez de meu filho,
De haver-me por se ufane!"
Mas o chefe dos Timbiras,
Os sobrolhos encrespando,
Ao velho Tupi guerreiro
Responde com tôrvo acento:
– Nada farei do que dizes:
É teu filho imbele e fraco!
Aviltaria o triunfo
Da mais guerreira das tribos
Derramar seu ignóbil sangue:
Ele chorou de cobarde;
Nós outros, fortes Timbiras,
Só de heróis fazemos pasto.
– Do velho Tupi guerreiro
A surda voz na garganta
Faz ouvir uns sons confusos,
Como os rugidos de um tigre,
Que pouco a pouco se assanha!

VIII
"Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de via Aimorés.
"Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz!
"Não encontres doçura no dia,
Nem as cores da aurora te ameiguem,
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanso gozar:
Não encontres um tronco, uma pedra,
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.
"Que a teus passos a relva se torre;
Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vesano furor;
Suas águas depressa se tornem,
Ao contacto dos lábios sedentos,
Lago impuro de vermes nojentos,
Donde fujas com asco e terror!
"Sempre o céu, como um teto incendido,
Creste e punja teus membros malditos
E oceano de pó denegrido
Seja a terra ao ignavo tupi!
Miserável, faminto, sedento,
Manitôs lhe não falem nos sonhos,
E do horror os espectros medonhos
Traga sempre o cobarde após si.
"Um amigo não tenhas piedoso
Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d’argila cuidoso
Arco e flecha e tacape a teus pés!
Sê maldito, e sozinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és."

IX
Isto dizendo, o miserando velho
A quem Tupã tamanha dor, tal fado
Já nos confins da vida reservada,
Vai com trêmulo pé, com as mãos já frias
Da sua noite escura as densas trevas
Palpando. – Alarma! alarma! – O velho pára!
O grito que escutou é voz do filho,
Voz de guerra que ouviu já tantas vezes
Noutra quadra melhor. – Alarma! alarma!
– Esse momento só vale a pagar-lhe
Os tão compridos trances, as angústias,
Que o frio coração lhe atormentaram
De guerreiro e de pai: – vale, e de sobra.
Ele que em tanta dor se contivera,
Tomado pelo súbito contraste,
Desfaz-se agora em pranto copioso,
Que o exaurido coração remoça.
A taba se alborota, os golpes descem,
Gritos, imprecações profundas soam,
Emaranhada a multidão braveja,
Revolve-se, enovela-se confusa,
E mais revolta em mor furor se acende.
E os sons dos golpes que incessantes fervem,
Vozes, gemidos, estertor de morte
Vão longe pelas ermas serranias
Da humana tempestade propagando
Quantas vagas de povo enfurecido
Contra um rochedo vivo se quebravam.
Era ele, o Tupi; nem fora justo
Que a fama dos Tupis – o nome, a glória,
Aturado labor de tantos anos,
Derradeiro brasão da raça extinta,
De um jacto e por um só se aniquilasse.
– Basta! Clama o chefe dos Timbiras,
– Basta, guerreiro ilustre! Assaz lutaste,
E para o sacrifício é mister forças. –
O guerreiro parou, caiu nos braços
Do velho pai, que o cinge contra o peito,
Com lágrimas de júbilo bradando:
"Este, sim, que é meu filho muito amado!
"E pois que o acho enfim, qual sempre o tive,
"Corram livres as lágrimas que choro,
"Estas lágrimas, sim, que não desonram."

X
Um velho Timbira, coberto de glória,
Guardou a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Dizia prudente: – "Meninos, eu vi!
"Eu vi o brioso no largo terreiro
Cantar prisioneiro
Seu canto de morte, que nunca esqueci:
Valente, como era, chorou sem ter pejo;
Parece que o vejo,
Que o tenho nest’hora diante de mi.
"Eu disse comigo: Que infâmia d’escravo!
Pois não, era um bravo;
Valente e brioso, como ele, não vi!
E à fé que vos digo: parece-me encanto
Que quem chorou tanto,
Tivesse a coragem que tinha o Tupi!"
Assim o Timbira, coberto de glória,
Guardava a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi.
E à noite nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Tornava prudente: "Meninos, eu vi!".

Segunda geração: Ultrarromântica ou Mal do século


A segunda geração de poetas românticos brasileiros foi fortemente influenciada pela poesia de Musset e pela de Lord Byron. A influência de Byron foi tanta que essa geração também ficou conhecida como "geração byroniana". Além de manter, com exceção do indianismo, os traços da primeira, essa segunda geração é caracterizada pelo spleen (palavra inglesa que significa "baço". No século XIX era atribuído a esse órgão a capacidade de determinar o estado melancólico das pessoas) e pelo Mal do século. Isso quer dizer que essa geração estava impregnada de individualismo ou egocentrismo, subjetivismo, negativismo, pessimismo, dúvida, desilusão e tédio constante. Cabe aqui um parêntese: Grande parte dos poetas dessa geração morreu muito jovens, vítima da tuberculose. Por isso, é comum a associação do termo mal do século a essa doença. No entanto, o Mal do século, que caracterizou a segunda geração de poetas Românticos não foi a tuberculose, mas o tédio, a melancolia e a inadaptação à vida, que levavam os poetas a desejar a morte, pois ela era a única maneira de o indivíduo libertar-se do fardo que era viver.
O tema mais abordado por essa geração é fuga da realidade, manifestado na idealização da mulher, da infância e na exaltação da morte. Esse tema é tratado quase sempre em tom de humor e ironia, como se o poeta estivesse rindo de sua própria desgraça. Os principais destaques dessa geração foram: Alvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire, entre outros.

Álvares de Azevedo (1831-1852)

Manuel Antônio Álvares de Azevedo nasceu na cidade de São Paulo em 12 de outubro de 1831. Não se sabe ao certo como foi sua vida. Alguns dizem que viveu uma intensa e tumultuada vida boêmia, já outros falam que sua vida foi calma e serena. O que sabemos ao certo é que durante esse período sua produção poética foi muito intensa. Adolescente dilacerado por seus conflitos íntimos, representa a experiência humana mais dramática do nosso Romantismo. Sua obra gira em torno da morte, do amor idealizado, do tédio, a impotência diante do mundo. Seu livro de contos  Noite na Taverna  é uma narrativa composta por cinco histórias, ao estilo gótico, sobre cinco homens que relatam, em um bar, histórias de terror vivenciadas pelos mesmos.  A partir de 1851 o poeta passa a ter fixação pela ideia da morte. Isso fica claro nas cartas destinadas à mãe e à irmã. Em 1852, quando tinha apenas 21 anos, Álvares de Azevedo morreu vítima de tuberculose, deixando uma obra relativamente extensa, para quem viveu tão pouco. Álvares de Azevedo, representante brasileiro mais legítimo do mal do século, foi fortemente influenciado por Lord Byron e Musset. Sua poesia é marcada pelo subjetivismo, melancolia e um forte sarcasmo. Os temas mais comuns são o desejo de amor e a busca pela morte. O amor é sempre idealizado, povoado por virgens misteriosas, que nunca se transformam em realidade, causando assim a dor e a frustração que são acalmadas pela presença da mãe e da irmã. Já a busca pela morte tem o significado de fuga, o eu-lírico sente-se impotente frente ao mundo que lhe é apresentado e vê na morte a única maneira de libertação. De sua obra, toda ela publicada postumamente, destacam-se os contos do livro "Noite na Taverna" (1855), a peça de teatro "Macário" (1855) e o livro de poesias "Lira dos Vinte Anos" (1853).

Se eu morresse amanhã!

Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
Que sol! que céu azul! que dove n'alva
Acorda a natureza mais loucã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!
Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o dolorido afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!
Por que mentias?
Por que mentias leviana e bela?
Se minha face pálida sentias
Queimada pela febre, e minha vida
Tu vias desmaiar, por que mentias?
Acordei da ilusão, a sós morrendo
Sinto na mocidade as agonias.
Por tua causa desespero e morro...
Leviana sem dó, por que mentias?
Sabe Deus se te amei! Sabem as noites
Essa dor que alentei, que tu nutrias!
Sabe esse pobre coração que treme
Que a esperança perdeu por que mentias!
Vê minha palidez- a febre lenta
Esse fogo das pálpebras sombrias...
Pousa a mão no meu peito!
Eu morro! Eu morro!
Leviana sem dó, por que mentias?

A Lagartixa

A lagartixa ao sol ardente vive,
E fazendo verão o corpo espicha:
O clarão dos teus olhos me dá vida,
Tu és o sol e eu sol a lagartixa.
Amo-te como o vinho e como o sono,
Tu és meu copo e amoroso leito...
Mas teu néctar de amor jamais se esgota,
Travesseiro não há como teu peito.
Posso agora viver: para coroas
Não preciso no prado colher flores;
Engrinaldo melhor a minha fronte
Nas rosas mais gentis de teus amores.
Vale todo um harém a minha bela,
Em fazer-me ditoso ela capricha;
Vivo ao sol de seus olhos namorados,
Como ao sol de verão a lagartixa.

Amor

Amemos! Quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão!
Na tu’alma, em teus encantos
E na tua palidez
E nos teus ardentes prantos
Suspirar de languidez!
Quero em teus lábio beber
Os teus amores do céu,
Quero em teu seio morrer
No enlevo do seio teu!
Quero viver d’esperança,
Quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
Quero sonhar e dormir!
Vem, anjo, minha donzela,
Minha’alma, meu coração!
Que noite, que noite bela!
Como é doce a viração!
E entre os suspiros do vento
Da noite ao mole frescor,
Quero viver um momento,
Morrer contigo de amor!

Lembrança de Morrer

Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nenhuma lágrima
Em pálpebra demente.
E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.
Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro,
– Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;
Como o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade – é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.
Só levo uma saudade – é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas…
De ti, ó minha mãe, pobre coitada,
Que por minha tristeza te definhas!
De meu pai… de meus únicos amigos,
Pouco - bem poucos – e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoudecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.
Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei… que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!
Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores…
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.
Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo…
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!
Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
Foi poeta - sonhou - e amou na vida.
Sombras do vale, noites da montanha
Que minha alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe canto!
Mas quando preludia ave d’aurora
E quando à meia-noite o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos…
Deixai a lua pratear-me a lousa!

Casimiro de Abreu (1839 -1860)

Casimiro José Marques de Abreu nasceu e morreu em Barra de São João, no Estado do Rio de Janeiro. Subjetivista como os demais românticos. A saudade e o amor são seus temas prediletos. Os seus poemas são construídos em ritmo fácil, são recitativos. É conhecido como poeta da saudade. Em 18 de outubro de 1860, quando tinha apenas 21 anos, faleceu vítima de tuberculose. A poesia de Casimiro de Abreu é marcada por dois traços fundamentais: o pessimismo decorrente do mal do século e o saudosismo nacionalista, que se revela na melancolia produzida pela saudade da terra natal e da infância. Graças a um lirismo já gasto, às rimas repetitivas e a uma linguagem simples, Casimiro de Abreu transformou-se em um dos poetas mais populares do Romantismo brasileiro. De toda a sua produção poética, que está reunida na obra "As Primaveras" (1859), destaca-se o poema "Meus oito anos".

Meus oito anos

Oh ! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é - lago sereno,
O céu - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d'amor!
Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
h ! dias da minha infância!
Oh ! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
- Pés descalços, braços nus -
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
.........................................................................................
Oh ! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais! .

Junqueira Freire (1832 - 1855)

Aos 19 anos torna-se padre. Em 1854, com a saúde abalada, abandona o sacerdócio e recolhe-se à casa paterna, entregue à elaboração de sua obra. Tornou-se um modelo da psicose romântica no Brasil, tendo a temática da morte grande destaque, nasceu e morreu em Salvador. Por motivos familiares, ingressou na Ordem dos Beneditinos em 1851 e permaneceu enclausurado até 1854, quando liberta-se da disciplina imposta pela igreja, embora continuasse a ser sacerdote, devido aos votos perpétuos. Nesse período, apesar de viver atormentado pela falta de vocação e com uma sexualidade latente e reprimida, encontrou tempo para fazer suas leituras prediletas, escrever poesias e exercer atividade de professor. Seus poemas mostram um jovem angustiado, incapaz de seguir a vida religiosa e que vê na morte a única forma de libertação. A sua obra mais importante foi "Inspirações do Claustro" (1855).

Morte
(hora do delírio)
[...]
Pensamento gentil de paz eterna,
Amiga morte, vem. Tu és o nada,
Tu és a ausência das moções da vida,
do prazer que nos custa a dor passada.
[...]
Amei-te sempre: — pertencer-te quero
Para sempre também, amiga morte.
Quero o chão, quero a terra, - esse elemento
Que não se sente dos vaivéns da sorte.
[...]
Única idéia mais real dos homens,
Morte feliz — eu quero-te comigo,
Leva-me à região da paz horrenda,
Leva-me ao nada, leva-me contigo.

Também desta vida à campa
Não transporto uma saudade.
Cerro meus olhos contente
Sem um ai de ansiedade.

E como um autômato infante
Que ainda não sabe mentir,
Ao pé da morte querida
Hei de insensato sorrir.

Por minha face sinistra
Meu pranto não correrá.
Em meus olhos morinbundos
Terrores ninguém lerá.

Não achei na terra amores
Que merecessem os meus.
Não tenho um ente no mundo
A quem diga o meu - adeus.

Não posso da vida à campa
Transportar uma saudade.
Cerro meus olhos contente
Sem um ai de ansiedade.

Por isso, ó morte, eu amo-te e não temo:
Por isso, ó morte, eu quero-te comigo.
Leva-me à região da paz horrenda,
Leva-me ao nada, leva-me contigo.

Fagundes Varela (1841- 1875)

Luiz Nicolau Fagundes Varela nasceu no Rio de Janeiro.  Iniciou a Faculdade de Direito em São Paulo, mas não levou adiante, dando preferência à vida boêmia, na tentativa de superar seus problemas pessoais. A perda de seu primogênito, levou-o à boemia e ao álcool. O poeta é uma espécie de síntese da nossa poesia romântica; nele se encontra desde o lirismo a modo Gonçalves Dias ou a poesia social, característica de Castro Alves, passando pela poesia religiosa em que foi mestre. Casando-se aos vinte anos, nasceu-lhe um filho, Emiliano, que viveu apenas até os três meses de idade. Esse fato abalou-o, inspirando seu poema mais popular, Cântico do calvário.    Sua primeira esposa morreu antes de completar três anos de casamento. Fagundes Varela volta à faculdade, abandonando novamente, logo em seguida. Em 1869 une-se a outra mulher, com quem tem três filhos: duas meninas e um menino, a quem também dá o nome de Emiliano e a quem também a morte leva prematuramente como o primeiro. O poeta continuou, até morrer, em sua vida errante, sendo encontrado geralmente embriagado.

Na sua obra poética, destaca-se a poesia intitulada “Cântico do Calvário” visto que foi inspirada na morte prematura do filho de seu primeiro casamento, em dezembro de 1863:

Eras na vida a pomba predileta
Que sobre um mar de angústias conduzia
O ramo da esperança. Eras a estrela
Que entre as névoas do inverno cintilava
Apontando o caminho ao pegureiro.
Eras a messe de um dourado estio.
Eras o idílio de um amor sublime.
Eras a glória, a inspiração, a pátria,
O porvir de teu pai! - Ah! no entanto,
Pomba, - varou-te a flecha do destino!
Astro, - engoliu-te o temporal do norte!
Teto, - caíste!- Crença, já não vives!
Correi, correi, oh! lágrimas saudosas,
Legado acerbo da ventura extinta,
Dúbios archotes que a tremer clareiam
A lousa fria de um sonhar que é morto!



Terceira geração: Condoreira ou Social


Caracterizada pela poesia social e libertária.Essa geração é caracterizada pelos ideais abolicionistas e pelo culto ao progresso. Os seus poetas foram fortemente influenciados pela poesia político-social do francês Vitor Hugo. Por isso, essa geração também ficou conhecida como "Hugoana". O termo condoreiro vem de condor, ave que habita a Cordilheira dos Andes. O Condor, por conseguir alcançar grandes altitudes, representa o alto voo que a palavra pode alcançar em defesa da liberdade.

Castro Alves (1847 - 1871)

Antônio Frederico de Castro Alves nasceu em 14 de março de 1847 em Curralinho, na Bahia. Em 1862 foi para o Recife com o intuito de estudar Direito. Lá, além de iniciar o seu romance com a atriz portuguesa Eugênia Câmara, percebe também os primeiros sintomas da tuberculose. Em 1868 vai para São Paulo acompanhado de Eugênia Câmara e do amigo Rui Barbosa, com quem fundou uma sociedade abolicionista, e matricula-se no terceiro ano da Faculdade de Direito do largo São Francisco, onde declama pela primeira vez o poema "Navio Negreiro".
 Diferente dos demais poetas românticos, interessava-se não apenas pelo “eu”, mas também pela realidade que o rodeava. No período em que viveu, ainda existia a escravidão no Brasil. O jovem baiano foi capaz de compreender as dificuldades dos negros escravizados.   Manifestou toda sua sensibilidade escrevendo versos de protesto contra a situação a qual os negros eram submetidos. Este seu estilo contestador o tornou conhecido como o “Poeta dos Escravos”. 
Aos 21 anos de idade, mostrou toda sua coragem ao recitar, durante uma comemoração cívica, o “Navio Negreiro”. A contragosto, os fazendeiros ouviram-no clamar versos que denunciavam os maus tratos aos quais os negros eram submetidos.  Ainda nesse ano é abandonado por Eugênia e, durante uma caçada, fere acidentalmente o pé com uma arma de fogo. Esse acidente provocou a amputação de seu pé e, logo em seguida, sua tuberculose agrava-se e o poeta vai para a Bahia, onde falece em 6 de julho de 1871. A obra de Castro Alves, o poeta dos escravos, foi fortemente influenciada pela literatura político-social de Vitor Hugo.
O poeta cultivou o egocentrismo, porém, diferentemente dos românticos tradicionais, interessou-se também pelo mundo que o cercava e defendeu a república, a liberdade e a igualdade de classes sociais. Castro Alves, segundo Jorge Amado, teve muitos amores, porém, o maior de todos eles foi a Liberdade. Se por um lado a temática social adotada por Castro Alves já o aproximam do Realismo, por outro a sua linguagem, repleta de figuras de estilo (metáforas, comparações, personificações, invocações, hipérboles, típicas do condoreirismo), o enquadra perfeitamente no movimento Romântico. Além disso, o poeta não deixou de lado a poesia de caráter lírico-amoroso, cultivada por todos os escritores de sua época. Mas, diferentemente de seus contemporâneos, raramente idealiza a figura feminina; ele nos apresenta uma mulher mais concreta, mais próxima de um ser de "carne e osso", mais sensual. Obras: Espumas Flutuantes (1870);  Gonzaga ou a Revolução de Minas (1875);  A Cachoeira de Paulo Afonso (1876);  Vozes d'África e Navio Negreiro (1880);  Os Escravos (1883).

Além de poesia de caráter social, este grande escritor também escreveu versos lírico-amorosos.

Poesia Social

O Navio Negreiro
I
'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...
'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...
'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...
Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.
Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!
Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!
Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!
Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
..........................................................
Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!
Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.

[...]

IV
Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."
E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...

V
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...
São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão. . .
São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.
Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
... Adeus, ó choça do monte,
... Adeus, palmeiras da fonte!...
... Adeus, amores... adeus!...
Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...
Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! ...

[...]

Poesia Lírico-amorosa

Castro Alves cantou o amor, a mulher, a morte, o sonho;cantou a República, o abolicionismo, a igualdade, os oprimidos. Na poesia lírico-amorosa evoluiu do campo da idealização para a realidade. Agora temos uma mulher de carne e osso, amor realizável, sensual, amante. Muitos poemas inspirados em seu romance com a atriz portuguesa Eugênia Câmara.

BOA-NOITE
Boa noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio...
Boa noite, Maria! É tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.

Boa noite!... E tu dizes – Boa noite.
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não me digas descobrindo o peito,
– Mar de amor onde vagam meus desejos.
[...]
A frouxa luz da alabastrina lâmpada
Lambe voluptuosa os teus contornos...
Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos
Ao doudo afago de meus lábios mornos.

Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros, bebo atento!

RESPONDA
1)   Qual o desejo inicial do eu-lírico e o da Maria?
2)   Como que é retratado o amor e a mulher neste poema?


Prosa do Romantismo:

O surgimento do romance no Brasil:
Os primeiros romances publicados no Brasil seguiam o modelo dos romances europeus, muitos escritos na década de 1830. Não têm importância para a história literária. Já os escritos a partir de 1843, como foi “O filho do pescador”, de Teixeira e Sousa, por ser sentimentalóide, melodramático, fraco literariamente, não serve para ser considerado o marco inicial do romance no Brasil. Devido a qualidade estética e sucesso de público, embora escrito em 1844, o romance “A moreninha”, de Joaquim Manuel Macedo, é considerado o primeiro romance brasileiro.

Características do romance romântico:
·         Histórias de amor: o amor confere sentido à vida;
·         Bem x mal: o herói ( belo e corajoso); os que não amam ( feios e mesquinhos);
·         Individualismo burguês: ideal de subir socialmente devido aos méritos pessoais;
·         Supervalorização do casamento: o casamento é o fim último;
·         Mito do primeiro amor: os personagens se guardam para o “sim”, à beira do altar;
·         Final feliz: ocorrem em quase todas as histórias.

Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882)

Joaquim Manuel de Macedo nasceu no RJ e formou-se em medicina pela Faculdade do Rio de Janeiro, mas nunca chegou a exercer a profissão. Em 1844 publicou "A Moreninha", seu primeiro romance. Macedo, que faleceu no Rio de Janeiro em 11 de abril de 1882, foi o escritor mais lido durante o final da década de 40 e início da de 50. Isso se deu devido ao esquema usado por ele na composição dos romances. Ele atendia à expectativa do leitor burguês, pois descrevia em uma linguagem simples, os costumes da sociedade carioca. Eram tramas fáceis, pequenas intrigas de amor, que sempre tinham finais felizes. Os seus personagens eram o estudante conquistador, a moça apaixonada e namoradeira, o galã irresistível e outros tipos com quem o público leitor pudesse se identificar. Além de "A Moreninha" Macedo escreveu ainda outros 17 romances, 16 peças de teatro e um livro de contos. Entre essas obras destacam-se:  O Moço Loiro (1845);  Os Dois Amores (1848).

Manuel Antônio de Almeida (1831-1861)

Filho de pais humildes, ficou órfão de pai aos 10 anos. Manuel Antônio de Almeida nasceu no Rio de Janeiro em 1831. Formou-se em Medicina, porém não exerceu a profissão porque era jornalista por excelência. Entre 1852 e 1853 publicou, em folhetins, a obra "Memórias de um Sargento de Milícias". Em 1857 foi nomeado diretor da Tipografia Nacional. Nessa função, ficou conhecido por ter dado emprego a um jovem pobre e mestiço chamado Machado de Assis. Em 1861 morreu tragicamente no naufrágio do navio Hermes, enquanto fazia campanha para eleger-se deputado federal. Manuel Antônio de Almeida é considerado um homem de transição entre o Romantismo e o Realismo. Isso se dá porque sua obra, apesar de apresentar convenções do Romantismo, já traz algumas características do movimento que estava por vir, como, por exemplo, os personagens não idealizadas, ou seja, mais próximos do real, e linguagem mais simples e popular, se comparada, à outros escritores do mesmo período.

José de Alencar (1829 - 1877)

José Martiniano de Alencar nasceu em Mecejana, no Ceará, em 1 de maio de 1829 e faleceu no Rio de Janeiro (vítima de tuberculose contraída na mocidade) em 12 de dezembro de 1877. O escritor formou-se em Direito e teve uma brilhante carreira de advogado, jornalista, deputado, ministro da justiça, orador, dramaturgo e, sobretudo, romancista. Embora não tenha sido propriamente o criador do romance romântico, título que cabe a Joaquim Manuel de Macedo, Alencar é considerado o maior romancista de nossa literatura e um dos nossos melhores escritores de todos os tempos. Tinha um estilo poético lírico, livre, muito pessoal. Seus romances trazem os aspectos históricos da formação do nosso povo, da nossa gente. Através de sua linguagem, os costumes, o meio ambiente e a paisagem são valorizados e o ser humano aparece integrado a eles. Seus romances se dividem em quatro grupos principais:

Romances Urbanos: Focalizam o meio social carioca da época (o Segundo Reinado). Criticam com rigor a idolatria ao dinheiro, os costumes burgueses, os conflitos sociais que se refletem no relacionamento homem-mulher. Obras: Cinco minutos (1856); A Viuvinha (1857); Lucíola (1862); Diva (1864); Sonhos Dóuro (1872); Senhora (1875); Encarnação (1877).
Romances Regionalistas: Exaltavam os valores locais e regionalistas. Obras: O Gaúcho (1870); O Tronco do Ipê (1871); Til (1872); O Sertanejo (1875)
Romances Históricos: Reconstituem nosso passado histórico, aspectos coloniais e o sentimento nativista. Obras: As Minas de Prata 1º Vol. (1865); 2º Vol. (1866); A Guerra dos Mascates 1º Vol. (1871); 2º Vol. (1873).
Romances Indianistas: Focalizam os primeiros donos do Brasil e seu contato com a civilização portuguesa. Obras: O Guarani (1857); Iracema (1865);Ubirajara (1874). Além de romances, Alencar escreveu outras obras: Teatro: O Demônio Familiar (1858); Mãe (1859); O Jesuíta (1907)
Poesia: Os Filhos de Tupã (1910)
Crônica: Ao Correr da Pena (1874)

Bernardo Guimarães: (1825 – 1884)

Seus romances mostram a natureza e o interior do país de forma poética, onde as impressões pessoais são mais salientes que a realidade. As caboclas são sempre lindas e morenas, as paisagens são amenas, floridas e os pássaros vivem em sinfonia. É o homem culto da cidade descrevendo poeticamente o sertão.

Obras: O Ermitão de Muquém;
O Garimpeiro;
O Seminarista;
A Escrava Isaura;
Rosaura a Efnjeitada.

Visconde de Taunay (1843 – 1899)

Iniciou-se nas Letras com o romance “A Mocidade de Trajano”, em 1871, sob o pseudônimo de Silvio Dinarte. No mesmo ano publica em francês suas impressões acerca de um episódio da Guerra do Paraguai, “A Retirada da Laguna”. Seu prestígio, porém, na Literatura decorre de sua obra: Ínocência”, em 1872. Uma história de amor ambientada no sertão de onde hoje é Mato Grosso do Sul.

Principais autores e obras
Portugal
  • Almeida Garrett: Camões, Dona Branca, Folhas caídas, Lírica de JoãoMínimo, Romanceiro, Flores sem fruto (poesia); Viagens na minha terra, Arco de Sant’Ana (prosa); Frei Luís de Sousa (teatro).
  • Alexandre Herculano: "A cruz mutilada" (poesia); Lendas e narrativas, O bobo, O monge de Cister, Eurico, o presbítero (prosa).
  • Antônio Feliciano de Castilho: Cartas de Eco a Narciso, A primavera, A noite do castelo, Os ciúmes do bardo, Escavações poéticas (poesia).
  • Antônio Augusto Soares de Passos: Poesias, que contém "O noivado do sepulcro", o poema mais popular na época.
  • Camilo Castelo Branco: Amor de perdição, Amor de salvação, A queda de um anjo, Eusébio Macário, A doida de candal (prosa).
  • Júlio Dinis (Joaquim Guilherme Gomes Coelho): As pupilas do senhor reitor, Os fidalgos da casa mourisca, A morgadinha dos canaviais, Uma família inglesa (prosa).
  • João de Deus: Campo de flores (poesia).
Brasil
  • Gonçalves de Magalhães: Suspiros poéticos e saudades (cujo prefácio marcou o início do Romantismo no Brasil, poesia); A Confederação dos Tamoios (poesia épica).
  • Gonçalves Dias: Primeiros Cantos, Segundos cantos, Sextilhas de Frei Antão, Últimos cantos, Os timbiras (poesia); Leonor de Mendonça (teatro).
  • Joaquim Manuel de Macedo: A Moreninha, O moço loiro, Dois amores, A luneta mágica (prosa).
  • Manuel Antônio de Almeida: Memórias de um sargento de mílícias (prosa).
  • José de Alencar; Iracema, Ubirajara, O guarani (prosa indianista); O gaúcho, O sertanejo (prosa regionalista); Cinco minutos, A viuvinha, A pata da gazela, Sonhos d’ouro, Lucíola, Diva, senhora, Encarnação, O tronco do ipê, Til (prosa social ou urbana); As minas de prata, A Guerra dos Mascates (prosa histórica); O demônio familiar, Mãe, As asas de um anjo, O jesuíta (teatro).
  • Bernardo Guimarães: A escrava Isaura, O garimpeiro, O seminarista, O ermitão de Muquém (prosa).
  • Visconde de Taunay (Alfredo d’Escragnole Taunay): Inocência, A retirada da Laguna, O Encilhamento (prosa).
  • Franklin Távora: O Cabeleira, O matuto (prosa).
  • Álvares de Azevedo: Lira dos vinte anos, O conde lopo (poesia); Noite na taverna (prosa); Macário (teatro).
  • Junqueira Freire: Inspirações do claustro, Contradições poéticas (poesia).
  • Casimiro de Abreu: Primaveras (poesia).
  • Castro Alves: Espumas flutuantes, A Cachoeira de Paulo Afonso, Os escravos (poesia); Gonzaga ou A revolução de Minas (teatro).
  • Fagundes Varela: Vozes da América, Noturnas, O estandarte auriverde, Cantos e fantasias, Cantos meridionais, Cantos do ermo e da cidade, Anchieta ou O evangelho nas selvas, cantos religiosos, Diário de Lázaro (poesia).
  • Sousândrade (Joaquim de Sousa Andrade): Gusa errante, Harpas selvagens (poesia).
  • Martins Pena: O juiz de paz na roça, A família e a festa da roça, o judas em Sábado de aleluia, Quem casa quer casa, O noviço, Um sertanejo na corte (teatro).

TEXTOS PARA ANÁLISE

Identifique as características correspondentes ao movimento romântico, seguindo o exemplo:

"Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o dolorido afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!" (Álvares de Azevedo).

Resposta: Liberdade formal, subjetivismo, morte como solução.


"Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!" (Casimiro de Abreu)
Resposta:____________________________________________

"Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá." (Gonçalves Dias)

Resposta:____________________________________________

"Ó Guerreiros da Taba sagrada,
Ó Guerreiros da tribo Tupi,
Falam deuses nos cantos do Piaga,
Ó Guerreiros, meus cantos ouvi." (Gonçalves Dias)

Resposta:____________________________________________

"Amo o silêncio, os areais extensos,
Os vastos brejos e os sertões sem dia,
Porque meu seio como a sombra é triste,
Porque minh’alma é de ilusões vazia." (Fagundes Varela)

Resposta:____________________________________________

"Lá na úmida senzala,
Sentado na estreita sala,
Junto ao braseiro, no chão,
Entoa o escravo o seu canto,
E ao cantar correm-lhe em pranto
Saudades do seu torrão..." (Castro Alves)

Resposta:____________________________________________

"Não, não é louvo. O espírito somente
É que quebrou-lhe um elo da matéria.
Pensa melhor que vós, pensa mais livre,
Aproxima-se mais à essência etérea" (Junqueira Freire)
Resposta:____________________________________________

    "Formou Deus o homem, e o pôs num paraíso de delícias; tornou a formá-lo a sociedade e o pôs num inferno de tolices.
    O homem –não o homem que Deus fez, mas o homem que a sociedade tem contrafeito, apertando e forçando seu moldes de ferro àquela pasta de limo que no paraíso terreal se afeiçoará à imagem da divindade – o homem assim aleijado como nós o conhecemos, é o animal mais absurdo, o mais disparatado e incongruente que habita na terra. (...) indigestão de ciência que não comutou seu mau estômago, presunção e vaidade que dela se originaram... (Almeida Garrett)

Resposta:____________________________________________

    "Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba; Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros." (José de Alencar).

Resposta:____________________________________________

"Amo-te, oh cruz, no vértice firmada
De esplêndidas igrejas;
Amo-te quando à noite, sobre a campa,
Junto ao cipreste alvejas;
Amo-te sobre o altar, onde, entre incensos,
As preces te rodeiam." (Alexandre Herculano).

Resposta:____________________________________________

"Era no dous de julho. 
A pugna imensa
Travara-se nos cerros da bahia...
O anjo da morte pálido cosia
Uma vasta mortalha em Pirajá.
Neste lençol tão largo, tão extenso,
Como um pedaço roto do infinito...
O mundo perguntava erguendo um grito;
Qual dos gigantes morto rolará?!..." ( Castro Alves).

Resposta:____________________________________________

TEXTO
Canção do tamoio
Gonçalves Dias
Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida 
É luta renhida;
Viver é lutar.
A vida é combate
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar.
II
Um dia vivemos!
O homem que é forte
Não teme da morte;
Só teme fugir;
No arco que entesa
Tem certa um presa,
Quer seja tapuia,
Condor ou tapir.
III
O forte, o cobarde
Seus feitos inveja
De o ver na peleja
Garboso e feroz;
E os tímidos velhos
Nos graves concelhos,
Curvadas as frontes,
Escutam-lhe a voz!

IV
Domina, se vive;
Se morre, descansa
Dos seus na lembrança,
Na voz do porvir.
Não cures da vida!
Sê bravo, sê forte!
Não fujas da morte,
Que a morte há de vir!
V
E pois que és meu filho
Meus brios reveste;
Tamoio nasceste,
Valente serás.
Sê duro guerreiro,
Robusto, fragueiro,
Brasão dos tamoios
Na guerra e na paz.
VI
Teu grito de guerra
Retumbe aos ouvidos
D’imigos transidos
Por vil comoção;
E tremam d’ouvi-lo
Pior que o sibilo
Das setas ligeiras,
Pior que o trovão.
VII
E a mão nessas tabas,
Querendo calados
Os filhos criados 
Na lei do terror;
Teu nome lhes diga,
Que a gente inimiga
Talvez não escute
Sem pranto, sem dor!
VIII
Porém se a fortuna,
Traindo teus passos,
Te arroja nos laços
Do inimigo falaz!
Na última hora
Teus feitos memora,
Tranqüilo nos gestos,
Impávido, audaz.

IX
E cai como o tronco 
Do raio tocado,
Partido rojado
Por larga extensão;
Assim morre o forte!
No passo da morte 
Triunfa, conquista
Mais alto brasão.

X
As armas ensaia,
Penetra na vida:
Pesada ou querida,
Viver é lutar.
Se o duro combate
Os fracos abate, 
Aos fortes, aos bravos,
Só pode exaltar.

(In: Péricles Eugênio da S. Ramos., org. Poemas de Gonçalves Dias. RJ. Tecnoprint.)
Interpretação
  1. Pelo texto, quem são os abatidos e quem são os exaltados, segundo a visão indígena?
  2. O poema é composto de dez estrofes. Resuma o conteúdo de cada uma.
  3. Que aspecto do índio é explorado nesse poema: físico, moral ou social?
  4. Como você resumiria a moral indígena?


O TEATRO ROMÂNTICO
Martins Pena
Luís Carlos Martins Pena nasceu no Rio de Janeiro em 1815 e morreu em Lisboa em 1848, tentando regressar de Londres ao Brasil, acometido de tuberculose. Apesar de o teatro ter ensaiado os primeiro passos com alguns poetas e romancistas, foi com Martins Pena que tivemos os primeiros textos de maior valor. Ele foi o introdutor do teatro de costumes, gênero que explora tipos sociais, acentuando-lhes características que provoquem riso.

REALISMO / NATURALISMO


O berço do movimento realista é a França, 1857, quando Gustave Flaubert publica o romance Madame Bovary. O Realismo é uma estética que tem uma espécie de compromisso com o tempo presente e, por isso,  vê o mundo de forma objetiva e exata. As suas características refletem as tendências filosóficas da época, ou seja, as ideias positivistas, socialistas, deterministas e darwinistas estão sempre presentes, tanto na literatura quanto nas outras formas de arte. O objetivismo surge como uma espécie de recusa ao subjetivismo e ao individualismo, característicos do período Romântico. Com isso, o personalismo é substituído por uma espécie de não-eu, revelando assim um homem mais universal, voltado para as coisas que estão ao seu redor. A emoção perde seu espaço para a razão e para o materialismo ( doutrina que explica em termos evolutivos o problema da origem do mundo, dispensando assim a criação divina.). Os Realistas procuram retratar o homem a partir da observação do seu meio ambiente e dos seus costumes, preocupando-se com o momento presente e com o cotidiano, desprezando o nacionalismo e o passado histórico. A literatura passa então a ser um instrumento de denúncia social, ou seja, contra tudo o que havia de ruim na sociedade. Por isso, é comum encontrar obras que satirizam: o clero, a monarquia, a burguesia e, em especial, a família burguesa. Devido a essa postura ideológica, pode-se dizer que os artistas desse período eram antimonárquicos, antiburgueses e anticlericais.  
Momento histórico
Portugal
Em Portugal o Realismo/Naturalismo se inicia em 1865, com a Questão Coimbrã e vai até 1890, ano da publicação de Oaristos, de Eugênio de Castro, que marca o início do Simbolismo. A Questão Coimbrã foi uma polêmica entre românticos e jovens realistas, iniciada com Antônio Feliciano de Castilho e Antero de Quental. Castilho, no posfácio de um livro de Pinheiro Chagas (Poema da mocidade) criticou as novas idéias e teve como resposta uma carta aberta de Antero de Quental (Bom senso e bom gosto), em que este pregava a evolução do pensamento e a liberdade de criação, tachando Castilho de passadista.
A Europa do século XIX assistiu a um crescente desenvolvimento das ciências sociais e naturais. Augusto Comte concebe o positivismo, teoria segundo a qual tudo pode ser explicado à luz das ciências; Hypolite Taine cria o determinismo, postulando que o meio, a raça e o momento histórico determinam as diretrizes do comportamento humano; Darwin desenvolve a lei da seleção natural, segundo a qual só os mais fortes sobrevivem, pois a natureza seleciona os que devem continuar a procriar; Proudhon aparece como o precursor do socialismo, e assim muitos outros anunciam outras ideias novas.
Ainda nesse século, a burguesia se consolida no poder, o capitalismo não para de crescer, a indústria se desenvolve em ritmo acelerado. A novidade consiste no aparecimento de um novo segmento social; o proletariado e com ele a luta de classes que ainda hoje presenciamos.
Portugal encontrava-se internamente em crise, com a revolta dos camponeses e o descontentamento geral da sociedade, devido a seu estado estacionário e dependente.

Brasil
O Realismo/Naturalismo começa no Brasil em 1881, com a publicação de O mulato, de Aluísio Azevedo (naturalista), e de Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis (realista), e vai até 1893, com a publicação das obras "Missal" e “Broquéis”, de Cruz e Sousa, introduzindo o Simbolismo no país.
As novas ideias que circulavam na Europa chegaram também até aqui, dando abertura a uma mudança de mentalidade. Fervilhavam idéias liberais, abolicionistas e republicanas. A vida política no Brasil encontrava-se bastante tumultuada, pois a aristocracia pretendia manter-se no poder a qualquer preço, enquanto parte da sociedade ansiava por renovações. Apesar da proibição do tráfico de escravos (1850), o país continuava escravista, agrário e latifundiário.
A cultura e a sociedade
O predomínio da concepção capitalista, se trouxe progresso material, trouxe também a degradação humana: faz-se qualquer coisa por dinheiro, principalmente explorar o próximo.
Se a maior parte dos românticos se limita a lastimar essa visão de mundo que lhe aparece à frente, o realista vai "dissecar" esse mesmo quadro, colocando a chaga da corrupção social à mostra. Duas instituições principalmente serão alvo desse desmascaramento, pondo à mostra o seu âmago, e não apenas as aparências: a família e a Igreja, que valorizam sobretudo interesses pessoais e econômicos.
O avanço das ciências desenvolve no homem um espírito de análise, com prevalência da razão sobre a emoção, no que há também uma dose de materialismo. Com o crescente aumento das diferenças sociais, os ideais democráticos ganham campo a cada dia, condenando a exploração do homem pelo homem. É, enfim, um período de grandes mudanças e questionamentos, pois a partir da Revolução Industrial, os fatos se sucedem muito rapidamente, deixando pouco espaço para a reação.

Características principais da produção artística
São as seguintes, as características gerais:
  • Crítica ao homem e à sociedade.
  • Surgimento do romance social, psicológico e de tese.
  • Narração de fatos partindo da observação.
  • Presença da sexualidade nas obras.
  • Objetivismo: a linguagem deve ser clara e não conter dados subjetivos.
  • Contemporaneidade: Ao contrário dos românticos, autor e obra procuram ser contemporâneos, isto é, não se pode partir da experimentação com algo distante de nós.
  • Racionalismo,
  • Linguagem simples e abundância de descrições para que o leitor possa ter a imagem o mais próxima possível.
  • Apresentação da realidade sem preocupações morais.
  • As personagens são, em geral, seres que encontramos no mundo real: aparece a linguagem de baixo calão, os vícios humanos, e outras mazelas humanas.
  • Preferência por enredos que envolvam ambientes sociais em desequilíbrio.


Diferença entre Realismo e Naturalismo:

A obra realista volta-se às relações sociais, observando costumes, relacionamento familiar e amoroso, corrupção das grandes instituições, como o Estado, a Igreja, a família, o casamento etc.
O Naturalismo é também realista, só que representa uma tendência mas voltada ao cientificismo, com aplicação das teorias científicas em voga na época, dando ênfase nas personagens, ao instintivo e ao patológico, ou seja, considerando o homem em sua condição animal. Daí a produção literária naturalista apresentar o chamado romance experimental ou romance de tese.
REALISMO (1881)
NATURALISMO (1881)
Romance documental, apoia-se na observação e na análise
Romance experimental, apoia-se na experimentação científica.
Valorização da racionalidade:à Inteligência
Valorização do instinto:à Atitudes animalescas, brutas
       Acumula documentos, “fotografa” a realidade, para dar a impressão de vida real.
Imagina experiências que remetem a conclusões a que não se chegaria
apenas pela observação.
Arte desinteressada, impassibilidade.
Arte engajada, de denúncia;
preocupações políticas e sociais.
Seleciona os temas, tem aspirações estéticas, busca o belo.
Detém-se nos aspectos
mais torpes e degradantes.
Reproduz a realidade exterior, bem como a interior, através da análise psicológica.
Centra-se nos aspectos exteriores:
atos, gestos, ambientes.
Volta-se para a psicologia,
para o indivíduo (homem).
Prefere a biologia, a patologia (evolucionismo zoomorfismo), e (determinismo – ambiente determina o comportamento)
Retrata e critica as classes dominantes,
a alta burguesia urbana.
Retrata as camadas inferiores,
o proletariado, os marginalizados.
É indireto na interpretação;
o leitor tira as suas conclusões.
É direto na interpretação; expõe conclusões (tese), cabendo ao leitor aceitá-las ou discuti-las.
Grande preocupação com o estilo.
O estilo é relegado a segundo plano;
no primeiro, está a denúncia.

Características essencialmente naturalistas:
  • Ânsia de explicar tudo cientificamente.
  • Determinismo com relação à atitude das personagens (nem tudo depende de sua vontade; pode haver imposição do meio, da hereditariedade física e psicológica, e outros fatores influenciáveis).
  • O homem e os outros elementos da natureza são vistos como sujeitos às mesmas leis da evolução.
  • O homem é encarado como produto da raça, do meio e do ambiente.
  • As personagens são semelhantes entre si, na mediada em que apresentam desequilíbrios característicos de sua condição.
  • Preferência a ambientes em que predominem a miséria e a ignorância.


Principais autores e obras do Realismo e Naturalismo
Portugal
Prosa
  • Eça de Queirós: O crime do padre Amaro; O primo Basílio; O mandarim; Os Maias; A relíquia; O mistério da estrada de Sintra (co-autoria com Ramalho Orgião); A ilustre casa de Ramires; A cidade e as serras; O conde de Abranhos.
  • Fialho de Almeida: Contos; A cidade do vício; Lisboa galante; O país das uvas.
  • Ramalho Ortigão: A Holanda; John Bull e a sua ilha; Notas de viagem.
Poesia
  • Guerra Junqueiro: Os simples; A velhice do Padre Eterno; A musa em férias.
  • Cesário verde: O livro de Cesário Verde.
  • Antero de Quental: Odes modernas; Primaveras românticas; Raios de extinta luz.
  • Teófilo Braga: Visão dos tempos; Tempestades sonoras.
Brasil
  • Machado de Assis: Crisálidas, Falenas, Americanas (poesia); Ressurreição, A mão e a luva, Helena, Iaiá Gaarcia, Memórias póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó, Memorial de Aires, Contos fluminenses, Histórias da meia-noite, Papéis avulsos, Várias histórias, Páginas recolhidas, relíquias da casa velha (prosa); Queda que as mulheres têm pelos tolos, Os deuses de casaca (teatro).
  • Aluísio Azevedo: O mulato, O cortiço, Casa de Pensão (prosa).
  • Raul Pompéia: O Ateneu, Uma tragédia no Amazonas (prosa).

REALISMO NO BRASIL:

Considerado o ano inicial do movimento Realista/Naturalista do Brasil em 1881, quando foram publicados o primeiro romance Realista e o primeiro romance Naturalista. São eles, respectivamente, "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis e "O Mulato" de Aluísio Azevedo. Tradicionalmente o término do Realismo/Naturalismo no Brasil se dá no ano de 1893, quando Cruz e Souza rompe com a estética e publica as obras "Missal" e "Broquéis", dando início ao movimento Simbolista.
AUTORES REALISTAS:
.
Machado de Assis
Joaquim Maria Machado de Assis era filho de um mulato com uma lavadeira portuguesa. Nasceu no Rio de Janeiro em 1839, morrendo em 1908. De família humilde, Machado de Assis viveu sua infância no morro. Foi vendedor de doces, auxiliar de igreja, tipógrafo, balconista e, já com seus primeiros escritos, revisor e colaborador do Correio Mercantil. Casado e com uma vida econômica estável, pôde dedicar-se mais à sua obra. Mestiço e de origem humilde, de menino do morro tornou-se o mais perfeito prosador brasileiro, fundador da Academia Brasileira de Letras.
Diferentemente de outros realistas, Machado de Assis enfatiza a psicologia de sua personagens e parte de acontecimentos simples do cotidiano para revelar a falsidade existente entre as pessoas e criticar as convenções burguesas, que avaliam o indivíduo pelos dotes materiais e não pelos valores pessoais. As principais características próprias do realismo que encontramos em Machado de Assis são a influência do meio sobre o homem e a visão da vida como uma luta em que vence o mais forte ("Ao vencedor, as batatas"). No que tange à luta pela vida, temos em Machado de Assis a teoria do hunanitismo, apresentada pela personagem Quincas Borba e segundo a qual os homens estariam distribuídos pelo corpo de um ser denominado Humanitas, tendo os atributos de acordo com a posição nesse corpo, ou que determina sua vitória ou sua derrota.
Observamos na obra do escritor uma fecunda atividade literária durante cinquenta anos que resultou uma obra grandiosa, variada e da mais alta qualidade. Escreveu com brilho, a poesia, o teatro, a crítica literária, a crônica social, porém o que mais destacou o seu gênio criador foram o romance e o conto.

Divide-se sua obra em duas etapas:

Fase Romântica ou de Amadurecimento:
São obras ainda com traços do romantismo, no entanto, romances e contos desta fase já traziam algumas características que mais tarde se consolidariam em sua obra: o amor contrariado, o casamento por interesse, uma ligeira preocupação psicológica e leve ironia.

Romances:
Ressurreição;
A Mão e a Luva;
Helena;
Iaiá Garcia.

Contos:
Contos Fluminenses;
Histórias da Meia-Noite.

Fase Realista ou de Maturidade:
Inicia com Memórias Póstumas de Brás Cubas, romance que inaugura fase Realista de Machado de Assis, é considerada a fase que mais nos interessa, é onde aparecem as obras-primas do romancista e contista. Suas principais características são: Humor e ironia, uso da função metalinguística: quando das interrupções do narrador para uma conversa com o leitor; o pessimismo niilista; tema da miséria humana (egoísmo, adultério, corrupção, interesse, etc.); universalismo: os temas abordados por Machado independem do tempo e do espaço porque se constituem em atitude essencialmente humanas; análise psicológica das personagens; o egoísmo e o sarcasmo. Tudo isso aliado a sua principal característica: análise crítica da sociedade de seu tempo. Machado de Assis é considerado um dos maiores escritores da língua portuguesa.
Romances:
 Memórias Póstumas de Brás Cubas;
Quincas Borba;
Dom Casmurro;
Esau e Jacó;
Memorial de Aires.

Contos:
Papéis Avulsos;
Várias Histórias;
Páginas Recolhidas;
Relíquia da Casa Velha.

Autores do Naturalismo

Aluísio Azevedo
Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo nasceu em São Luís do Maranhão em 1857 e morreu em Buenos Aires, Argentina, onde estava como cônsul brasileiro, em 1913. Ora publicava romances românticos, ora romances naturalistas de forte conteúdo social, nos quais denunciava o preconceito racial e de classe, a ambição do enriquecimento fácil, os problemas morais, as injustiças e misérias sociais. Muitas das suas personagens são seres desprezíveis e não é raro descrição de homens comparados a animais irracionais. De seus romances naturalistas destacam-se: “O mulato”; “Casa de pensão” e “O cortiço”, o principal deles. São obras de grande importância para a literatura e era o que mais gostava de escrever o autor. Já as obras românticas, ele as publicava para vender e sustentar sua carreira. Não sendo um criador de tipos, o social e o coletivo (a cidade, as habitações) destacam-se mais que as suas personagens.
Em  “O Cortiço”,   considerado o melhor romance naturalista de nossa literatura, Aluísio Azevedo focaliza a vida naquele tipo de habitação coletiva. A matéria narrativa prende-se à história de João Romão, comerciante português responsável pela construção e manutenção do cortiço, no que é auxiliado por Bertoleza, sua amante, uma escrava que se julgava alforriada. Jerônimo e Piedade constituem um casal que se muda para o cortiço. Lá, Jerônimo vai apaixonar-se por Rita Baiana, a mulata mais bonita do cortiço, amante de Firmo. João Romão é um homem ambicioso, explorador. Inicia seu processo de ascensão social construindo três casinhas (materiais roubados) e uma venda. Essas casinhas chegam ao número 95, formando um cortiço, ambiente promíscuo, degradante que comanda a vida dos que ali moram. Ao lado do cortiço mora Miranda, dono de um belo sobrado. É através do choque de classes sociais que o autor constrói sua tese determinista.
Anticlerical, conseguiu conciliar sua vocação de romancista com sua índole polêmica. Sua primeira obra naturalista, O mulato, acabou por levá-lo a deixar sua terra natal e morar no Rio de Janeiro, pois as pessoas favoráveis à discriminação racial começaram a hostilizá-lo. Escreveu ainda, nos moldes naturalistas, Casa de pensão e O cortiço. A par desses romances, criou textos românticos para folhetins, sendo um dos primeiros escritores brasileiros a viver de literatura.

TEXTO
                     Do livro O cortiço, de Aluísio Azevedo.
[João Romão]
    João Romão foi, dos treze aos vinte e cinco anos, empregado de um vendeiro que enriqueceu entre as quatro paredes de uma suja e obscura taverna nos refolhos do bairro do Botafogo; e tanto economizou do pouco que ganhara nessa dúzia de anos, que, ao retirar-se o patrão para a terra, lhe deixou, em pagamento de ordenados vencidos, nem só a venda com o que estava dentro, como ainda um conto e quinhentos em dinheiro.
    Proprietário e estabelecido por sua conta, o rapaz atirou-se à labutação ainda com mais ardor, possuindo-se de tal delírio de enriquecer, que afrontava resignado as mais duras privações. Dormia sobre o balcão da própria venda, em cima de uma esteira, fazendo travesseiro de um saco de estopa cheio de palha. A comida arranjava-lhe, mediante quatrocentos réis por dia, uma quitandeira sua vizinha, a Bertoleza, crioula trintona, escrava de um velho cego residente em Juiz de Fora e amigada com um português que tinha uma carroça de mão e fazia fretes na cidade.
    Bertoleza também trabalhava forte; a sua quitanda era a mais bem afreguesada do bairro. De manhã vendia angu, e à noite peixe frito e iscas de fígado; pagava de normal a seu dono vinte mil-réis por mês, e, apesar disso, tinha de parte quase o necessário para a alforria. Um dia, porém, o seu homem, depois de correr meia légua, puxando uma carga superior às usas forças, caiu morto na rua, ao lado da carroça, estrompado como uma besta.
    João Romão mostrou grande interesse por esta desgraça, fez-se até participante direto dos sofrimentos da vizinha e com tamanho empenho a lamentou, que a boa mulher o escolheu para confidente das suas desventuras. Abriu-se com ele, contou-lhe a sua vida de amofinações e dificuldades. "Seu senhor comia-lhe a pele do corpo! Não era brinquedo para uma pobre mulher ter de escarrar, pr’ali, todos os meses vinte mil-réis em dinheiro!" E segredou-lhe então o que tinha juntado para a sua liberdade e acabou pedindo ao vendeiro que lhe guardasse as economias, porque já de certa vez fora roubada por gatunos que lhe entraram na quitanda pelos fundos.
    Daí em diante, João Romão tornou-se o caixa, o procurador e o conselheiro da crioula. No fim de pouco tempo era ele quem tomava conta de tudo que ela produzia, e era também que punha e dispunha dos seus pecúlios, e que se encarregava de remeter ao senhor os vinte mil-réis mensais. Abriu-lhe logo uma conta corrente, e a quitandeira, quando precisava de dinheiro para qualquer coisa, dava um pulo até à venda e recebia-o das mãos do vendeiro, de "Seu João", como ela dizia. Seu João debitava metodicamente essas pequenas quantias num caderninho, em cuja capa de papel pardo lia-se, mal escrito em letras cortadas de jornal: "Ativo e passivo de Bertoleza".
    E por tal forma foi o taverneiro ganhando confiança no espírito da mulher, que esta afinal nada mais resolvia só por si, e aceitava dele, cegamente, todo e qualquer arbítrio. Por último se alguém precisava tratar com ela qualquer negócio, nem mais se dava ao trabalho de procurá-la, ia logo direto a João Romão.
    Quando deram fé estavam amigados.
    Ele propôs-lhe morarem juntos, e ela concordou de braços abertos, feliz em meter-se de novo com um português, porque, como toda a cafuza, Bertoleza não queria sujeitar-se a negros e procurava instintivamente o homem numa raça superior à sua.
    João Romão comprou então, com as economias da amiga, alguns palmos de terreno ao lado esquerdo da venda, e levantou uma casinha de duas portas, dividida ao meio paralelamente à rua, sendo a parte da frente destinada à quitanda e a do fundo para dormitório que se arranjou com os cacarecos de Bertorleza. (...)
    Agora, disse ele à crioula, as coisas vão correr melhor para você. Você vai ficar forra; eu entro com o que falta.
    Nesse dia ele saiu muito à rua, d uma semana depois apareceu com uma flha de papel toda escrita, que leu em voz alta à companheira.
    Você agora não tem mais senhor! Declarou em seguida à leitura, que ela ouviu entre lágrimas agradecidas. Agora está livre. Doravante o que você fizer é só seu e mais de seus filhos, se os tiver. Acabou-se o cativeiro de pagar os vinte mil-réis a à peste do cego!
    Coitado! A gente se queixa é da sorte! Ele, como meu senhor, exigia o jornal, exigia o que era seu!
    Seu ou não seu, acabou-se! É vida nova!
    Contra todo o costume, abriu-se nesse dia uma garrafa de vinho do Porto, e os dois beberam-na em honra ao grande acontecimento. Entretanto, a tal carta de liberdade era obra do próprio João Romão, e nem mesmo o selo, que ele entender de pespegar-lhe em cima, para dar à burla maior formalidade, representava despesa, porque o esperto aproveitara uma estampilha já servida. O senhor de Bertoleza não teve sequer conhecimento da fato; o que lhe constou, sim, foi que a sua escrava lhe havia fugido para a Bahia depois da morte do amigo. (...)
    João Romão não saía nunca a passeio, nem ia à missa aos domingos; tudo que rendia a sua venda e mais a quitanda seguia direitinho para a caixa econômica e daí então para o banco. Tanto assim que, um ano depois da aquisição da crioula, indo em hasta pública algumas braças de terras situadas ao fundo da taverna, arrematou-as logo e tratou, sem perda de tempo, de construir três casinhas de porta e janela.
    Que milagres de esperteza e de economia não realizou ele nessa construção! Servia de pedreiro, amassava e carregava barro, quebrava pedra; pedra, que o velhaco fora de horas, junto com a amiga, furtava à pedreira do fundo, da mesma forma que subtraíam o material das casas em obra que havia por ali perto. (...)
    E o fato é que aquelas três casinhas, tão engenhosamente construídas, foram o ponto de partida do grande cortiço de São Romão.
    Hoje quatro braças de terra, amanhã seis, depois mais outras, ia o vendeiro conquistando todo o terreno que se estendia pelos fundos da sua bodega; e, à proporção que o conquistava, reproduziam-se os quartos e o número de moradores.
    Sempre em mangas de camisa, sem domingo nem dia santo, não perdendo nunca a ocasião de assenhorear-se do alheio, deixando de pagar todas as vezes que podia e nunca deixando de receber, enganando os fregueses, roubando nos pesos e na medidas, comprando por dez réis de mel coado o que os escravos furtavam da casa dos seus senhores, apertando cada vez mais as próprias despesas, empilhando privações sobre privações, trabalhando e mais a amiga como uma junta de bois, João Romão veio afinal a comprar uma boa parte da bela pedreira, que ele todos os dias, ao cair da tarde, assentado um instante à porta da venda, contemplava de longe com um resignado olhar de cobiça.
    Pôs lá seis homens a quebrarem pedra e outros seis a fazerem lajedos e paralelepípedos, e então principiou a ganhar em grosso, tão em grosso que, dentro de ano e meio, arrematava já todo o espaço, compreendido entre as suas casinhas e a pedreira, isto é, umas oitenta braças de fundo sobre vinte de frente em plano enxuto e magnífico para construir.
(O cortiço. )
Interpretação
  1. Trace um perfil da personagem João Romão.
  2. Você acha que existem pessoas como João Romão? Justifique.
  3. Destaque do texto passagens que comprovem ser Bertoleza um degrau para a escalada social de João Romão.
  4. Bertoleza era cafuza, isto é, mestiça de negro e índio. Como você vê a posição dela com relação aos negros?
  5. Como João Romão resolveu o problema de Bertoleza com seu "dono"?
  6. Pesquisa: Quem são os donos dos "cortiços" hoje?
  7. Como se justifica que muitas pessoas se vejam obrigadas a viver em cortiços?


Raul Pompéia (1863 - 1895)

Cursou as primeiras letras no colégio interno "Abílio", experiência traumática que refletiu em sua principal obra: “O Ateneu”. O romance não é autobiográfico, porém muito das impressões e sofrimentos vividos por Raul Pompéia, certamente, aparecem na obra através das experiências do personagem Sérgio, interno no colégio de “O Ateneu”. O romance o consagrou como grande escritor da literatura nacional, porém não demorou muito para que o Raul Pompéia se encantasse com as ideias abolicionistas e se engajasse nas lutas contra a escravidão e a dedicar-se aos comícios em prol da República e à colaboração em vários jornais da cidade, porém alguns de seus amigos foram perseguidos pela polícia de Floriano Peixoto e ele próprio chegou a ser agredido por Olavo Bilac, com quem tinha sérios atritos políticos. A agressão sofrida por Raul Pompéia deixou-o tão humilhado que ele chegou a desafiar Bilac para um duelo, que não aconteceu por que os padrinhos impediram. Daí por diante tornou-se cada vez mais radical, chegando a publicar charges que criticavam o governo. Uma delas ofendeu tanto o presidente Prudente de Morais, que os jornalistas da época passaram a atacar duramente o escritor. Devido ao seu temperamento ultrassensível, Raul Pompéia passou a viver uma vida isolada e não suportou o fato de ser considerado um homem sem honra e suicidou-se na noite de Natal de 1895. "O Ateneu", única obra relevante de Raul Pompéia, não se enquadra exatamente dentro da escola Realista/Naturalista. Isso ocorre porque, apesar de, em certos momentos, o romance tender para o Naturalismo, ele não se apoia na realidade objetiva dos fatos e sim na memória subjetiva de um narrador (Sérgio). Com isso, o romance foge da exatidão descritiva e sua narrativa não é tão fria como a maioria das obras Realistas/Naturalistas. Além isso, o estilo de Raul Pompéia acrescenta a técnica impressionista ao nosso Realismo.


PARNASIANISMO

 O Parnasianismo, movimento estético, é considerado pela maioria dos críticos literários como sendo o Realismo em forma de "poesia".  O Parnasianismo é um movimento contemporâneo ao Realismo/Naturalismo, referente à poesia dessa época. Parnassus era um monte grego onde, segundo a lenda, se reuniam os poetas. O movimento parnasiano se inicia na França, através da publicação da antologia Le Parnasse Contemporain (O Parnaso contemporâneo). Essa corrente pretendeu combater o excesso de sentimentalismo presente na poesia romântica e criar algo mais próximo da "ciência".
Características principais da produção artística
  • Lema: "Arte pala arte". A arte deveria constituir um fim em si mesma, não ser reflexo dos sentimentos do artista ou representar preocupações com problemas sociais.
  • Retorno ao Classicismo, valorizando mais a descrição que a análise.
  • Rigidez formal, com respeito a métrica e rimas.
  • Objetividade.
  • Preferência pelos sonetos, só que com verso alexandrino (doze sílabas) e não com decassílabo como nos clássicos.
  • Poesia mais preocupada com a técnica, com a forma.
  • Impessoalidade. O artista não devia envolver-se emocionalmente com o objeto.
  • Purismo (preocupação com o apuro da linguagem e correção gramatical).
  • Vocabulário erudito, envolvendo utilização de palavras incomuns no linguajar cotidiano.
  • Exotismo, com exploração de temas mais extravagantes.

Principais autores e obras brasileiros
Temos três autores considerados principais no Parnasianismo brasileiro, e que foram chamados de a "Tríade Parnasiana": Alberto de Oliveira, Raimundo Correia e Olavo Bilac.
  • Alberto de Oliveira; Canções românticas, Meridionais, Versos e rimas, Poesias.
  • Raimundo Correia: Primeiros sonhos, Sinfonias, versos e versões, Aleluias, Poesias.
  • Olavo Bilac: Via láctea, Sarças de fogo, Panóplias, Alma inquieta, O Caçador de esmeraldas, tarde.
  • Vicente de Carvalho: Relicário, Poemas e canções, Rosa, rosa de amor, Ardentias.
  • Amadeu Amaral: Urzes, Névoa, espumas, Lâmpada antiga.
  • Martins Fontes: Verão, Volúpia, A flauta encantada.
  • Francisca Júlia da Silva Munster: Mármores, Esfinges.


AUTORES PARNASIANOS BRASILEIROS

Alberto de Oliveira

Antônio Mariano Alberto de Oliveira nasceu no Rio de Janeiro em 1857 e morreu em 1937. Formou-se em farmácia, foi funcionário público e professor de português e literatura brasileira, estando entre os fundadores da Academia Brasileira de Letras.

Horas Mortas

Breve momento, após comprido dia
De incômodos, de penas, de cansaço,
Inda o corpo a sentir quebrado e lasso,
Posso a ti me entregar, doce Poesia.

Desta janela aberta, à luz tardia
Do luar em cheio a clarear o espaço,
Vejo-te vir, ouço-te o leve passo
Na transparência azul da noite fria.

Chegas. O ósculo teu me vivifica.
Mas é tão tarde! Rápido flutuas,
Tornando logo à etérea imensidade;

E na mesa em que escrevo, apenas fica
Sobre o papel – rastro das asas tuas,
Um verso, um pensamento, uma saudade.

Raimundo Correia

Raimundo da Mota Azevedo Correia nasceu em 1859, a bordo de um vapor, nas costas do Maranhão, e morreu em Paris, aonde foi para tratamento de saúde, em 1911. Formou-se em direito por São Paulo, foi magistrado, diplomata, professor e jornalista. Apesar de parnasiano, o melhor de sua obra está nos textos em que dá vazão à sua sensibilidade, chegando até a ser um pouco romântico.

TEXTO
Plena nudez
Raimundo Correia

Eu amo os gregos tipos de escultura,
Pagãs nuas no mármore entalhadas,
Não essas produções que a estufa escura
Das modas cria, tortas e enfezadas.

Quero um pleno esplendor, viço e frescura
Os corpos nus; as linhas onduladas
Livres; da Carne exuberante e pura
Todas as saliências destacadas...

Não quero a Vênus opulenta e bela
De luxuriantes formas, entrevê-la
Da transparente túnica através;

Quero vê-la sem pejos, sem receios,
Os braços nus, o dorso nu, os seios,
Nua... toda nua, da cabeça aos pés!

As pombas

Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada...

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais...
Raimundo Correia


2)         Faça uma leitura visualizando um filme (criando imagens na mente), leia por partes, cada oração separadamente, depois explique:
O que significa no contexto do poema:
a)         Raia sanguínea:
b)         Nortada sopra:
3)         No último verso, a palavra ‘eles’ refere-se a quem?

A cavalgada
A lua banha a solitária estrada...
Silêncio!... Mas além, confuso e brando,
O som longínquo vem-se aproximando
Do galopar de estranha cavalgada.

São fidalgos que voltam da caçada;
Vêm alegres, vêm rindo, vêm cantando.
E as trompas a soar vão agitando
O remanso da noite embalsamada...

E o bosque estala, move-se, estremece...
Da cavalgada o estrépito que aumenta
Perde-se após no centro da montanha...

E o silêncio outra vez soturno desce...
E límpida, sem mácula, alvacenta
A lua a estrada solitária banha...
(In: Massaud Moisés. A literatura brasileira através dos texto)
Interpretação
  1. Que características parnasianas você encontra no soneto?
  2. A que se refere o conteúdo do poema?
  3. Encontramos dados subjetivos na abordagem do tema? Justifique
  4. Compare o primeiro verso do soneto com o último. Que diferença você nota? Qual deve ter sido a intenção do poeta?

Olavo Bilac

Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac nasceu no Rio de Janeiro em 1865 e morreu em 1918. Só conheceu o pai aos cinco anos de idade, pois este era médico cirurgião do Exército e encontrava-se na Guerra do Paraguai. Estudou medicina por cinco anos, mas não chegou a formar-se, vindo para São Paulo tentar o curso de direito, que frequentou por pouco tempo. De volta ao Rio, dedicou-se ao jornalismo e à literatura, tendo exercido diversas funções administrativas e diplomáticas. Foi noivo da irmã do poeta Alberto de Oliveira, mas não chegou a casar-se. Rompeu relações também com o pai, o qual queria um filho médico e não um poeta e boêmio. Em 1915, pouco depois do início da I Guerra Mundial, iniciou campanhas cívicas em prol do serviço militar obrigatório e contra o analfabetismo.

"Profissão de fé"
(excerto do poema)
....................................................
Invejo o ourives quando escrevo:
    Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo
    Faz de uma flor.
....................................................
Por isso, corre, por servir-me,
    Sobre o papel
A pena, como prata firme
    Corre o cinzel.
Corre: desenha, enfeita a imagem,
    A ideia veste;
Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem
    Azul-celeste.

Torce, aprimora, alteia, lima
    A frase; e enfim,
No vaso de ouro engasta a rima,
    Como um rubim.
Quero que a estrofe cristalina,
    Dobrada ao jeito 
Do ourives, saia da oficina
    Sem um defeito!
Interpretação
  1. Por que o autor escolhe o trabalho do ourives para comparar com o trabalho do poeta?
  2. Que significaria para o poeta "vestir a ideia"?
  3. A que Bilac compara o trabalho com a rima?
  4. Qual o objetivo de todo esse trabalho?
  5. O que o poema traz em si do Parnasianismo?


Exercício:      Leia atentamente os sonetos abaixo, faça uma reflexão sobre o tema, organize os conhecimentos que você tem sobre PARNASIANISMO e responda no caderno:

Nel Mezzo Del Camin...

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha…

E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje, segues de novo… Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.
Olavo Bilac

Após a leitura, agora responda:
a) Qual a regra do soneto?

b) Como seria o título que está em Italiano na língua portuguesa?


A um poeta

Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre e sua!

Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço; e a trama viva se construa
De tal modo , Qua a imagem fique nua,
Rica mas sóbria, como um templo grego.

Não se mostre na fábrica o suplício
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício.

Porque a beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a Graça na simplicidade.
Olavo Bilac

(apud Alceu Amoroso Lima. Org. Olavo Bilac: posia. RJ. Agir. 1980).
Interpretação.
  1. Esse soneto pode ser considerado uma receita para o parnasiano. Releia as características do movimento e justifique a afirmativa.
  2. Por que a obra deveria ser produzida "longe do estéril turbilhão da rua"?
  3. Que idéia lhe dá o último verso da primeira estrofe?
  4. Explique o significado da Segunda estrofe.
  5. Na última estrofe podemos dizer que temos o lema do Parnasianismo. Explique.
  6. Qual é o edifício a que o poeta se refere na terceira estrofe? Que seriam os andaimes?
  7. Analise o poema quanto aos aspectos formais.


SIMBOLISMO

No final do século XIX, época em que predominavam as ideias positivistas e mecanicistas a que a humanidade foi levada pelo anseio de objetividade, o simbolismo enfatizou o valor intrínseco do indivíduo e de sua realidade subjetiva. Simbolismo é o nome da tendência literária -- sobretudo poética -- que surgiu na França durante as duas últimas décadas do século XIX, como reação à impassibilidade e à rigidez das fórmulas parnasianas e, secundariamente, à crueza do romance naturalista. O simbolismo,portanto, em sua radical oposição ao positivismo, ao realismo e ao naturalismo, era um movimento idealista e transcendente, contrário às descrições objetivas, à ciência positiva, ao intelectualismo e à rigidez formal do parnasianismo. O Simbolismo, que ocorreu em período de transição do séc. XIX para o séc. XX, rejeita as correntes materialistas, racionalistas, empíricas e mecânicas trazidas pelo avanço da ciência da época e valoriza valores e ideais que estavam esquecidos: o espírito, o sonho, o absoluto, o nada, o bem, o belo, o sagrado etc. A origem dessa tendência situa-se na aristocracia decadente e na classe média. Essas camadas sociais, por não participarem da euforia do progresso materialista, que solidificou o poder burguês, propõem a volta da supremacia do sujeito sobre o objeto, rejeitando desse modo o desmedido valor dado às coisas materiais.
 Momento histórico
    Após a euforia da Segunda Revolução Industrial, quando se incrementou a construção de ferrovias, a economia mundial entra em crise, devido ao aumento da concorrência e da falta de mercado consumidor.
    Surgem os primeiros trustes (fusão de empresas do mesmo ramo), já que as empresas pequenas não conseguiam sobreviver e eram encampadas pelas grandes e têm início os cartéis, isto é, grandes empresas de determinado ramo industrial começam a monopolizar a comercialização de um produto, mediante estabelecimento de condições de venda, pagamento, entre outras.
    Como o capitalismo não se desenvolveu de maneira uniforme no mundo, houve concentração de capital em países como França, Inglaterra e Estados Unidos (este último aparecendo agora como potência), que passaram a buscar mercado em países menos desenvolvidos, dando início ao que hoje conhecemos como "imperialismo econômico".
A cultura e a sociedade
    Com a evolução da ciência, da tecnologia e do capitalismo, o mundo começa a caminhar cada vez mais em direção dos interesses materiais. Diferentemente dos empreendedores capitalistas, a classe trabalhadora não melhorou suas condições de vida, já que a exploração da mão-de-obra é um dos meios de auferir grandes lucros. Surgem os partidos socialistas, reivindicando reformas sociais.
    Apesar de tanta luta, o homem comum não consegue realizar-se financeiramente. A esperança cede lugar à frustração e esta leva à busca do lado místico, espiritual do universo. Contrariamente ao cientificismo e objetivismo anterior, a arte passa a representar o subjetivo, o inconsciente, buscando a unidade do ser. A reação da burguesia foi referir-se a esses artistas como boêmios, decadentes, malditos.     Apesar das diferenças , o Simbolismo é considerado uma espécie de continuação do Romantismo, na medida em que anseia por reformas e, ao mesmo tempo, busca refúgio fora do mundo real. O Simbolismo representa uma espécie de volta ao Romantismo, especificamente ao "mal do século", que marcou a segunda fase romântica. Mas o mergulho simbolista no universo metafísico foi mais profundo que a imersão no movimento anterior. Os simbolistas buscavam integrar a poesia na vida cósmica, usando uma linguagem indireta e figurada.
Características principais da produção artística
  • Predominância da emoção.
  • O objeto deve estar subentendido, não mostrando claramente – daí o "símbolo".
  • Musicalidade (através de aliterações, assonâncias e outras figuras de estilo.
  • Referências a cores.
  • Presença de motivos religiosos; a poesia representaria uma espécie de ritual.
  • Sonho e imaginação.
  • Espiritualismo.
  • Subjetividade.
  • Culto da forma, com influências parnasianas.
  • Uso da figura de linguagem chamada sinestesia, que representa a fusão de sensações (beijo amargo, cheiro azul).
  • Abordagem vaga de impressões subjetivas e/ou sensoriais (Impressionismo), sobretudo na pintura.
Principais autores e obras
Portugal
  • Eugênio de castro: Oaristos, Horas, Tirésias.
  • Antônio Nobre: Só, Despedidas, Primeiros versos.
  • Camilo Pessanha: Clépsidra.
Brasil
  • Cruz e Sousa: Broquéis, Missal, Evocações, Faróis, Últimos sonetos.
  • Alphonsus de Guimaraens: Setenário das dores de Nossa Senhora, Câmara ardente, Dona Mística, Kiriale.
  • Pedro Kilkerry: Re-visão de Kilkerry (organizado por Augusto de Campos).
Na França, destacaram-se principalmente Charles Baudelaire, Arthur Rimbaud e Paul Verlaine.
TEXTO
Correspondências
Charles Baudelaire
A Natureza é um templo vivo em que os pilares
Deixam filtrar não raro insólitos enredos;
O homem o cruza em meio a um bosque de segredos
Que ali o espreitam com seus olhos familiares.
Como ecos lentos que a distância se matizam
Numa vertiginosa e lúbubre unidade,
Tão vasta quanto a noite e quanto a claridade,
Os sons, as cores e os perfumes se harmonizam.
Há aromas frescos como a carne dos infantes,
Doces como o oboé, verdes como a campina,
E outros, já dissolutos, ricos e triunfantes,
Com a fluidez daquilo que jamais termina,
Como o almíscar, o incenso e as resinas do oriente,
Que a glória exaltam dos sentidos e da emente.
(As flores do mal. Traduzido por Ivan Junqueira. RJ. 1985).
Interpretação
  1. Releia a primeira estrofe e responda:
  1. Quem seriam os "insólitos enredos"?
  2. Que seria o "bosque de segredos"?
  3. Qual o significado de "olhos familiares"?
  1. A que unidade o eu-poético se refere na Segunda estrofe?
  2. Retire um exemplo de sinestesia da terceira estrofe.
  3. Que características simbolistas você encontra no poema?
  4. Relacione o título do poema a seu conteúdo.

SIMBOLISMO NO BRASIL

O simbolismo inicia-se, no Brasil em 1893, com a publicação dos livros "Missal"(poemas em prosa) e "Broqueis" (poemas em verso), ambos de autoria de Cruz e Souza e termina, definitivamente, em 1922 com a Semana da Arte Moderna. A prosa praticamente não existiu, uma vez que, quando houve prosa, ela foi poesia em forma de prosa e pode ser encontrada na obra de Cruz e Souza. Os principais autores dessa escola no País foram: Cruz e Souza, representante máximo da estética simbolista brasileira, além de Alphonsus de Guimaraens e Pedro Kilkerry.
Cruz e Sousa
O primeiro simbolista brasileiro -- e também o maior poeta de todo o movimento -- foi João da Cruz e Souza, que se rebelou contra a sintaxe tradicional portuguesa e introduziu no Brasil as conquistas estilísticas da escola francesa. O poeta nasceu em Desterro, (atual Florianópolis) em 1861 e morreu em Sítio, Minas Gerais, em 1898. Filho de negros escravos libertados, teve uma excelente educação, falava francês, latim e grego. Foi nomeado promotor em Laguna, SC, mas não assumiu seu posto, devido a preconceitos raciais. Em 1886, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde participou do primeiro grupo de poetas simbolistas.  O poeta teve quatro filhos; destes, morreram dois. Sua mulher enlouqueceu; além disso, a família tinha uma péssima situação econômica. Todos esses acontecimentos afetaram profundamente a vida desse artista, que morreu tuberculoso em 1898. Trabalhou em teatro, quando se frustrou por apaixonar-se por uma artista branca, e, com o escritor Virgílio Várzea, lançou um jornal de cunho republicano e abolicionista. Considerado um dos maiores poetas simbolistas, Cruz e Sousa buscou a unidade com o mundo cósmico, destacando-se em sua obra a evocação da cor branca, provavelmente pelos problemas que enfrentou por ser negro.
Violões que Choram
CRUZ E SOUSA

Ah! plangentes violões dormentes, mornos,
Soluços ao luar, choros ao vento...
Tristes perfis, os mais vagos contornos,
Bocas murmurejantes de lamento.

Noites de além, remotas, que eu recordo,
Noites da solidão, noites remotas
Que nos azuis da fantasia bordo,
Vou constelando de visões ignotas.

Sutis palpitações à luz da lua.
Anseio dos momentos mais saudosos,
Quando lá choram na deserta rua
As cordas vivas dos violões chorosos.

Quando os sons dos violões vão soluçando,
Quando os sons dos violões nas cordas gemem,
E vão dilacerando e deliciando,
Rasgando as almas que nas sombras tremem.

Harmonias que pungem, que laceram,
Dedos nervosos e ágeis que percorrem
Cordas e um mundo de dolências geram,
Gemidos, prantos, que no espaço morrem...

E sons soturnos, suspiradas mágoas,
Mágoas amargas e melancolias,
No sussurro monótono das águas,
Noturnamente, entre ramagens frias.

Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.
Tudo nas cordas dos violões ecoa
E vibra e se contorce no ar, convulso...
Tudo na noite, tudo clama e voa
Sob a febril agitação de um pulso.

Que esses violões nevoentos e tristonhos
São ilhas de degredo atroz, funéreo,
Para onde vão, fatigadas no sonho,
Almas que se abismaram no mistério.

Alphonsus de Guimaraens (1870 - 1921)
(O solitário de Mariana) Nasceu em Ouro Preto e faleceu em Mariana, Minas Gerais. Formou-se em Direito, tendo sido promotor e juiz. A noiva morreu quando ambos tinham dezoito anos; ele nunca superou este ocorrido, apesar de ter-se casado e ter tido quatorze filhos. Viveu isolado do mundo literário de sua época, o que lhe valeu o apelido de "O solitário de Mariana". Características: Sua obra revela um apelo constante à memória e à imaginação, os versos são melancólicos, dotados de uma musicalidade marcante. Religião, Natureza e Arte servem de apoio para a exploração de seu tema preferido: a morte da amada.

Ismália
Alphonsus de Guimaraens

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar…
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar…
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar…

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar…
Estava perto do céu,
Estava longe do mar…

E como um anjo pendeu
As asas para voar…
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar…

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par…
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar…

TEXTO

Regina Coeli

Ó Virgem branca, Estrela dos altares,
Ó Rosa pulcra dos Rosais polares!
Branca, do alvor das âmbulas sagradas
E das níveas camélias regeladas.
Das brancas da seda sem desmaios
E da lua de linho em nimbo e raios.
Regina Coeli das sidérias flores,
Hóstia da Extrema-Unção de tantas dores.
Aves de prata e azul, ave dos astros...
Santelmo aceso, a cintilar nos mastros.
Gôndola etérea de onde o Sonho emerge...
Água Lustral que o meu Pecado asperge.
Bandolim do luar, Campo de giesta,
Igreja matinal gorjeando em festa.
Aroma, Cor e Som das Ladainhas
De Maio e Vinha verde dentre as vinhas.
Dá-me, através de cânticos, de rezas,
O Bem, que almas acerbas torna ilesas.
O Vinho d’ouro, ideal, que purifica
Das seivas juvenis a força rica.
Ah! Faz surgir, que brote e que floresça
A Vinha d’ouro e o vinho resplandeça.
Pela Graça imortal dos teus Reinados 
Que a Vinha os frutos desabroche iriados.
Que frutos, flores, essa Vinha brote
Do céu sob o estrelado chamalote.
Que a luxúria poreje de áureos cachos
E eu um vinho de sol beba aos riachos.
Virgem, Regina, Eucaristica, Coeli,                         (regina (latim): rainha)
Vinho é o clarão que teu Amor impele.                    (Coeli (latim): celestial)
Que desabrocha ensanguentadas rosas
Dentro das naturezas luminosas.
Ó Regina do Mar! Coeli! Regina!
Ó Lâmpada das naves do Infinito!
Todo o Mistério azul desta Surdina
Vem d’estranhos Missais de um novo Rito!...
(In: Tasso da Silveira, org. Cruz e Sousa; poesia. RJ, Agir, 1975. Nossos Clássicos).
Interpretação
  1. Podemos dividir o poema em duas partes: evocação e pedido. Delimite as estrofes.
  2. Retire do poema três elementos que remetem à cor branca.
  3. Que elementos do poema nos lembram um ritual religioso?
  4. Que características simbolistas detectamos no poema?
  5. Identifique e explique as personificações presentes na última estrofe.



FONTES:

CANDIDO, Antonio; CASTELLO, José Aderaldo. José Lins do Rego. In: Presença da literatura brasileira. III: modernismo. São Paulo: Difel, 1975. p. 246-247.
CANDIDO, Antonio. Um romancista da decadência. In: Brigada ligeira. São Paulo: Martins, 1945. p. 63-70.
CARPEAUX, Otto Maria. José Lins do Rego. In: Correio da manhã, Rio de Janeiro, 13 set. 1957. p. 3.
CARPEAUX, Otto Maria. José Lins do Rego. Em sua: Pequena bibliografia crítica da literatura brasileira. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Cultura, Serviço de Documentação, 1951. p.256-258. 3. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Letras e Artes, 1964. p.312-314.
CAVALCANTI, Valdemar. José Lins, cronista. In: Jornal literário. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1960. p. 237-247. Reproduzido em REGO, José Lins do. Água-Mãe. Rio de Janeiro: J. Olympio, em convênio com o Instituto Nacional do Livro, 1980. p. VII. (Romances reunidos e ilustrados, 9)
FREYRE, Gilberto. José Lins do Rego e eu: qual dos dois influiu sobre o outro? In: Alhos & bugalhos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978. p. 33-55.
LINS, Álvaro. Um novo romance dos engenhos. In: Os mortos de sobrecasaca. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963. p. 131-136.
REGO, José Lins do. José Lins do Rego. Sel. notas, est. biogr. hist. e crít. Benjamin Abdala Jr. São Paulo: Abril Educação, 1982. (Literatura comentada)
Fundação Joaquim Nabuco
Academia Brasileira de Letras
Enciclopédia Barsa
Enciclopédia Digital

Saulo A. Ferreira. Gama, DF, fevereiro de 2001.[ http://pt.scribd.com/doc/63591806/APOSTILA-1#scribd]

Sites:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Literatura
http://www.regina.celia.nom.br/lit.1generos.literarios.htm
http ://html_10emtudo/Literatura/html_literatura_total.htm

  Apostila de apoio ao estudo, montada de forma solidária a partir de textos de autorias diversas. 
  SEM FINS LUCRATIVOS, POR ISSO NÃO PODE SER COMERCIALIZADA.

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