O
afogado
Rubem
Braga
Não,
não dá pé. Ele já se sente cansado, mas compreende que ainda precisa nadar um
pouco. Dá cinco ou seis braçadas, e tem a impressão de que não saiu do lugar.
Pior: parece que está sendo arrastado para fora. Continua a dar braçadas, mas
está exausto. A força dos músculos esgotou-se; sua respiração está curta e
opressa. É preciso ter calma. Vira-se de barriga para cima e tenta se manter
assim, sem exigir nenhum esforço dos braços doloridos. Mas sente que uma onda
grande se aproxima. Mal tem tempo para voltar-se e enfrentá-la. Por um segundo
pensa que ela vai desabar sobre ele, e consegue dar duas braçadas em sua
direção. Foi o necessário para não ser colhido pela arrebentação; é erguido, e
depois levado pelo repuxo. Talvez pudesse tomar pé, ao menos por um instante,
na depressão da onda que passou. Experimenta: não. Essa tentativa frustrada
irrita-o e cansa-o. Tem dificuldade de respirar, e vê que já vem outra onda.
Seria melhor talvez mergulhar, deixar que ela passe por cima ou o carregue; mas
não consegue controlar a respiração e fatalmente engoliria água; com o choque
perderia os sentidos. É outra vez suspenso pela água e novamente se deita de
costas, na esperança de descansar um pouco os músculos e regular a respiração;
mas vem outra onda imensa. Os braços negam-se a qualquer esforço; agita as
pernas para se manter na superfície e ainda uma vez consegue escapar à
arrebentação.
Está
cada vez mais longe da praia, e alguma coisa o assusta: é um grito que ele
mesmo deu sem querer e parou no meio, como se o principal perigo fosse gritar.
Tem medo de engolir água, mas tem medo principalmente daquele seu próprio grito
rouco e interrompido. Pensa rapidamente que, se não for socorrido, morrerá;
que, apesar da praia estar cheia nessa manhã de sábado, o banhista da
Prefeitura já deve ter ido embora; o horário agora é de morrer, e não de ser
salvo. Olha a praia e as pedras; vê muitos rapazes e moças, tem a impressão de
que alguns o olham com indiferença. Terão ouvido seu grito? A imagem que retém
melhor é a de um rapazinho que, sentado na pedra, procura tirar algum espeto do
pé.
A
idéia de que precisará ser salvo incomoda-o muito; desagrada-lhe violentamente,
e resolve que de maneira alguma pedirá socorro, mesmo porque naquela aflição já
acha que ele não chegaria a tempo. Pensa insistentemente isto: calma, é preciso
ter calma. Não apenas para salvar-se, ao menos para morrer direito, sem
berraria nem escândalo. Passa outra onda, mais fraca; mas assim mesmo ela
rebenta com estrondo. Resolve que é melhor ficar ali fora do que ser colhido
por uma onda: com certeza, tendo perdido as forças, quebraria o pescoço jogado
pela água no fundo. Sua respiração está intolerável, acha que o ar não chega a
penetrar nos pulmões, vai só até a garganta e é expelido com aflição; tem uma dor
nos ombros; sente-se completamente fraco.
Olha
ainda para as pedras, e vê aquela gente confusamente; a água lhe bate nos
olhos. Percebe, entretanto, que a água o está levando para o lado das pedras.
Uma onda mais forte pode arremessá-lo contra o rochedo; mas, apesar de tudo,
essa idéia lhe agrada. Sim, ele prefere ser lançado contra as pedras, ainda que
se arrebente todo. Esforça-se na direção do lugar de onde saltou, mas acha
longe demais; de súbito, reflete que à sua esquerda deve haver também uma ponta
de pedras. Olha. Sente-se tonto e pensa: vou desmaiar. Subitamente, faz gestos
desordenados e isso o assusta ainda mais; então reage e resolve, com uma
espécie de frieza feroz, que não fará mais esses movimentos idiotas, haja o que
houver; isso é pior do que tudo, essa epilepsia de afogado. Sente-se um animal
vencido que vai morrer, mas está frio e disposto a lutar, mesmo sem qualquer
força; lutar ao menos com a cabeça; não se deixará enlouquecer pelo medo.
Repara, então, que, realmente, está agora perto de uma
pedra, coberta de mariscos negros e grandes. Pensa: é melhor que venha uma onda
fraca; se vier uma muito forte, serei jogado ali, ficarei todo cortado, talvez
bata com a cabeça na pedra ou não consiga me agarrar nela; e se não conseguir
me agarrar da primeira vez, não terei mais nenhuma chance. Sente, pelo puxão da
água atrás de si, que uma onda vem, mas não olha para trás. Muda de idéia; se
não vier uma onda bem forte, não atingirá a pedra. Junta todos os restos de
forças; a onda vem. Vê então que foi jogado sobre a pedra sem se ferir; talvez
instintivamente tivesse usado sua experiência de menino, naquela praia onde
passava as férias, e se acostumara a nadar até uma ilhota de pedra também
coberta de mariscos.
Vê que alguém, em uma pedra mais alta, lhe faz sinais
nervosos para que saia dali, está em um lugar perigoso. Sim, sabe que está em
um lugar perigoso, uma onda pode cobri-lo e arrastá-lo, mas o aviso o irrita;
sabe um pouco melhor do que aquele sujeito o que é morrer e o que é salvar-se,
e demora ainda um segundo para se erguer, sentindo um prazer extraordinário em
estar deitado na pedra, apesar do risco. Quando chega à praia e senta na areia
está sem poder respirar, mas sente mais vivo do que antes o medo do perigo que
passou.
"Gastei-me
todo para salvar-me, pensa, meio tonto; não valho mais nada." Deita-se com
a cabeça na areia e confusamente ouve a conversa de uma barraca perto, gente
discutindo uma fita de cinema. Murmura, baixo, um palavrão para eles; sente-se
superior a eles, uma idiota superioridade de quem não morreu, mas podia
perfeitamente estar morto, e portanto nesse caso não teria a menor importância,
seria até ridículo de seu ponto de vista tudo o que se pudesse discutir sobre
uma fita de cinema. O mormaço lhe dá no corpo inteiro um infinito prazer.
Fonte
dos contos: Os Cem Melhores Contos
Brasileiros do Século , Org de ITALO
MORICONI, Ed. Objetiva Ltda.
Nenhum comentário:
Postar um comentário