Tonho Louco
Durval Filho
Tonho Louco não
parava de falar, nem um segundo, isso porque ele falava com todo mundo e,
quando estava só, falava consigo mesmo. Seu lar, as ruas de Campo Grande, é
muito bonito, embora a vida levada por ele fosse péssima. Quando não estava
falando, estava pensando alto. Às vezes sorria, às vezes gritava. Sua presença
assustava.
No inverno deste
ano, Tonho Louco calou-se. O que teria acontecido? Essa pergunta era repetida
por todos os que o conheciam, e olha que eram muitos! Olhavam com curiosidade
para o homem de barba rala e cabelos negros escorridos, agora quieto, e não
entendiam. Uma vontade enorme de perguntar o que teria acontecido invadia a
mente dos que com ele cruzavam. Mas não! Nunca antes havia com ele falado e não
seria agora que lhe falariam.
O discurso do louco
de Campo Grande, com sua oratória eloqüente, interrompeu-se. Os mestres e os
doutores da linguagem perderam grande oportunidade de estudar o discurso de um
só canal – só de ida. Onde um só fala, os outros escutam e fingem que são
surdos. O emissor insiste e transmite sua mensagem que ecoa nos espelhos dos
olhares que reprovam e dos ouvidos que não ouvem.
Os andarilhos,
velhos conhecidos e também habitantes das ruas, resolveram falar com ele e lhe
perguntaram: “Que foi que aconteceu com tu, tu sempre falô muito por aí. Agora
parô de vez de falá! Perdeu a língua véiu?” Tonho Louco nada respondeu e se
afastou, logo começou uma forte chuva que rapidamente passou e abriu um sol
úmido e aconchegante. Tonho começou a caminhar com velocidade, quase correndo,
seguia a Av. Afonso Pena, em direção ao seu prolongamento, porém, antes de lá
chegar, virou à direita na Rua Bahia, longa descida, caminhada fácil porque
naquele dia ainda não tinha tomado suas doses de pinga.
Silêncio total, nem
no pensamento conversava; apenas caminhava para uma região da cidade que ele
não conhecia. Atravessou o Córrego Prosa e continuou em frente; mais um
cruzamento, quase foi atropelado. Manteve-se calmo e não diminuiu o ritmo até
ver algo que lhe interessava – um enorme círculo na calçada, feito por lajotas
coloridas, na verdade vários círculos dentro de outros círculos. Aquilo o
maravilhou, então ele passou a andar em círculos, sorria e caminhava seguindo
as lajotas, parou; subiu o olhar, e percebeu um portal que dava acesso a um
parque. Sentindo uma atração irresistível, lá entrou e ouviu muito bem os sons
das árvores sendo chacoalhadas pelo vento e o som dos pássaros ruflando suas
asas. Água correndo, rego d’água cantando música de ninar.
Tonho Louco se
sentiu muito bem, ali era sua casa, ou melhor, apartamento de cobertura. Ali
ele começou novamente a falar e a ser compreendido. Diálogo entusiasmado, porém
só conversava com a natureza.
Perguntava para os
pássaros e esses lhe respondiam, eles o entendiam muito bem. As formigas
então!!! Um show! Grandes e íntimas amigas. Fez amizades com muitas palmeiras e
árvores variadas, soube muitas fofocas, algumas intrigas entre elas, nada que o
assustasse, pois elas estavam presas pelas raízes e não podiam ir adiante com
as hostilidades . Diferente dos homens que caminham, às vezes, para a gratuita
agressão.
Quando não
conversava com suas novas amigas, Tonho Louco observava intrigado as pessoas
que frequentavam o parque. Elas caminhavam sempre em sentido anti-horário,
dando voltas e mais voltas numa estradinha asfaltada, circular, que só cabia
gente. Andavam rápido, procurando algo, não sabia o quê. Não perguntava para as
pessoas, ele não queria mais voltar a falar com elas e chegou à seguinte
conclusão: “os homens não acharam ainda o que procuram, andam em círculo, não
sabem ao certo o que querem, aí não encontram nada e desistem; mas depois
voltam outro dia e continuam novamente sempre sua eterna caminhada em busca do
impossível”.
Tudo estava bem com
o Tonho Louco até que o vigia do parque foi, a pedido dos humanos frequentadores,
expulsá-lo de lá: “Sai daqui ó vagabundo, vai embora, aqui não é o seu lugar”.
Tonho Louco abriu a boca, ia falar algo, mas se calou. Olhou para o céu, para o
chão, para os pássaros e árvores e grudou suas enormes mãos no pescoço do vigia
e apertou, apertou com força desmedida. Quando o homem estava para morrer, os
pássaros pousaram a seus pés e cantaram, as árvores imploraram pela paz e as
águas choraram... O vigia desmaiou e foi solto.
Tonho
Louco então seguiu suas amigas formigas pelo trieiro e foi morar com elas no
aconchego do solo. Passado o inverno, até hoje, nunca mais se ouviu falar de
Tonho Louco que foi morar na casa das formigas.
Durval Filho, Revista UBE-MS 4/Campo Grande-MS: Life Editora,
2014
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